Novo Código Florestal não garante sustentabilidade da madeira amazônica

Mesmo com manejo, o número de emissões de CO2 e geração de resíduos é alarmante. Foto: Camila Numazawa/ Arquivo pessoal

O cálculo da pegada de dióxido de carbono (CO2) da madeira retirada da floresta amazônica mostrou que, mesmo com a utilização de técnicas de manejo previstas no Novo Código Florestal Brasileiro, a exploração pode chegar a um número de 7,5 toneladas de CO2 emitidas para cada tonelada de produto gerados (tCO2.t-1). É o que conta a pesquisa feita durante o doutorado de Camila Thiemy Dias Numazawa, no Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).

Formada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade da Amazônia, Camila dedicou-se a analisar o fluxo material e a pegada de carbono em todo o ciclo de vida da madeira retirada da floresta para chegar a um número de emissões de CO2 total que pode variar de zero a 7,5 tCO2.t-1. O número zero, ou neutro, é obtido quando a exploração é feita através do manejo de impacto reduzido. Nesse método de exploração, a floresta tem tempo o suficiente para recuperar sua biomassa entre o período de extrações e, ao crescer, captura uma quantidade maior ou equivalente de CO2 àquela que foi emitida durante seu corte, produção e descarte do produto final.

A arquiteta explica que a madeira que constitui as árvores é composta do elemento químico carbono: “Árvores em crescimento capturam CO2 da atmosfera porque precisam do carbono para sua formação. Então, elas ficam com o carbono, emitem o oxigênio de volta e acabam por purificar o ar”. Camila é mestre em arquitetura bioecológica e sustentável por uma das mais antigas e maiores universidades do mundo, a Università degli Studi di Roma La Sapienza, na Itália. O dióxido de carbono é um dos gases responsáveis pelo agravamento do efeito estufa na Terra: ele absorve a radiação infravermelha emitida pelo planeta, impede que ela vá para o espaço e contribui assim para o aumento anormal da temperatura.

Quando as árvores são cortadas, o carbono que foi por elas capturado é emitido de volta para a natureza em forma de CO2 através da decomposição dos resíduos da biomassa – folhas, flores, frutos e galhos, por exemplo – e durante a extração, produção madeireira e descarte. Por isso, para que a produção seja considerada sustentável, é necessário que a floresta cresça e capture de volta uma quantidade igual ou maior de CO2 durante seu crescimento até o próximo corte. A pesquisa de Camila, no entanto, mostra que a maior parte das formas de exploração atual não dão tempo suficiente para que a floresta faça este trabalho de recuperação.

Comparando cenários

No Novo Código Florestal (Lei 12.651, de 2012), está prevista a exploração de florestas para fins comerciais, desde que esta tenha intensidade adequada à capacidade de suporte ambiental da mata e ciclos de corte compatíveis com o tempo necessário para o restabelecimento do volume de produto extraído. Camila estudou e comparou dois tipos diferentes de manejo de extração com cortes de madeira a cada 30 anos em um cenário total de 120 anos.

O primeiro tipo de extração analisado utiliza o valor máximo permitido pelo Novo Código: 30 metros cúbicos por hectare de floresta. Já o segundo, conhecido como “exploração de impacto reduzido”, prevê a exploração de 15 metros cúbicos por hectare. “Na exploração de 30 metros cúbicos, a floresta não consegue recuperar totalmente sua biomassa. Então, depois de um certo período, não haverá sequer a possibilidade de extração, pois não existirão árvores com o diâmetro mínimo de 50 centímetros requisitado para o corte”, explica a arquiteta.

Além disso, neste cenário, a impossibilidade de recuperação da biomassa ocasiona emissões de dióxido de carbono maiores do que a captura e gera um desequilíbrio nos valores da pegada que pode chegar até as 7,5 toneladas de CO2 emitidas a cada tonelada de produto. Já com a exploração de impacto reduzido, as árvores plantadas após o corte têm tempo suficiente para crescer e podem fazer com que os valores da pegada sejam até mesmo negativos – em caso de absorção de carbono maior que a emissão, os produtos feitos com essa madeira são considerados “estoque de carbono”.

Continuidade da pesquisa

A pesquisa de Camila, orientada pelo professor Vanderley M. John e coorientada pelo também professor Sérgio Almeida Pacca, mostra que, mesmo com valores de emissões elevadas, a exploração de manejo prevista no Novo Código ainda é mais sustentável do que as explorações convencional ou ilegal. Estas podem chegar a valores de emissão de 7,5 a 28,4 toneladas de dióxido de carbono por tonelada de produto, de acordo com dados da pesquisa de mestrado de Erica Campos, também da Escola Politécnica.

A partir das análises feitas, é possível concluir ainda que a maior parte das emissões provém dos resíduos gerados durante o corte na floresta e a produção madeireira na serraria. Os números variam de três toneladas de resíduo para cada tonelada de tora (cenário de exploração) e de 5,5 a 6,6 toneladas de resíduo para cada tonelada de madeira serrada (cenário de exploração e produção). “Uma maneira de diminuir o volume de resíduos e a emissão de CO2 e aumentar a geração de receita seria utilizar essas sobras para produzir carvão vegetal, por exemplo”, sugere Camila.

Após compreender os impactos da exploração na floresta e na atmosfera, a arquiteta, que é filha de um engenheiro florestal e cresceu na floresta amazônica, pretende voltar sua pesquisa para a fase de uso no ciclo de vida da madeira e já está em contato com especialistas da Suécia e Holanda que analisam especificamente essas etapas. “Quero chegar a pós-produção e descobrir quanto tempo essa madeira extraída dura na sociedade. Já não analiso mais a floresta e a serraria, e sim as relações de consumo e durabilidade de produtos”.

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