Filosofia contribui para o ensino de química

Uso de perspectivas filosóficas em classe torna possível que universitários conheçam as especificidades da profissão

Perspectivas filosóficas dão apoio ao estudo de química. Montagem: Giovanna Jarandilha

“Ciência” é um termo amplo, usado para designar muitas disciplinas acadêmicas. Divididas em exatas, humanas e biológicas, as ciências que existem dentro destes grupos são generalizadas e tratadas como um todo. Entender e perguntar sobre ciência, sobre o que estuda, e quais métodos utiliza é essencial para os universitários, graduandos nestas ciências, se tornarem profissionais preparados e éticos. Com isso em mente, o químico Evandro Rozentalski elabora no doutorado, no Instituto de Química da USP, um estudo que traça um paralelo entre a química e a filosofia.

Intitulada Indo além da Natureza da Ciência: o filosofar sobre a Química por meio da ética química, a tese aborda as questões filosóficas que envolvem o fazer científico a partir de discussões sobre a ética química.

Voltada para a educação, a pesquisa leva esses debates para dentro de duas salas de aula do ensino superior. Assim, procura desenvolver o pensamento crítico sobre química em ambos, professores e alunos, a partir de ideias, perspectivas e questões oriundas da filosofia da química. Como consequência, fomenta melhores compreensões sobre química entre os químicos.

Para Evandro, introduzir a Filosofia da Química como uma disciplina regular nas universidades se faz necessário para compreender a química e suas implicações na sociedade. “Os autores falam de ciência em termos gerais, como se a física e química fossem a mesma coisa”, diz o pesquisador, e salienta que apesar de ter semelhanças com outras disciplinas, a química possui “modos de pensar, fazer e comunicar” que são próprios. “Os futuros profissionais da química, em especial bacharéis e professores de química, devem conhecer essas especificidades”, ressalta.

Ética química

A decisão de levantar debates em classe sobre ética química se deu porque este não é um tópico discutido durante a formação dos profissionais. O objetivo foi trazer atenção aos riscos e incertezas envolvidos na produção de novas substâncias químicas. “Químicos devem estar cientes que suas responsabilidades não se resumem a produzir novas substâncias, como geralmente ocorre, mas devem ter responsabilidade sobre as aplicações e implicações de seus produtos”.

As discussões em um primeiro momento ocorreram no encontro nacional de estudantes de química, através de um minicurso. Depois, se estenderam em aulas da disciplina de História e Filosofia da Ciência para alunos de licenciatura em química de uma instituição pública de São Paulo.

Evandro separou em três partes suas aulas: na primeira, debatia ideias gerais sobre ética — e posteriormente também sobre ética química—, em que procurou instigar os alunos a participarem por meio de perguntas. “Um aluno me disse que acreditava que a química tinha problemas éticos próprios, mas não sabia argumentar o porquê. Um dos objetivos centrais não só da Filosofia da Química, mas da filosofia em geral, é justamente explicitar questões que passam despercebidas ou são negligenciadas. Mais do que fornecer uma resposta aos estudantes, a filosofia visa elaborar e apresentar questões para a reflexão”.

Na segunda aula, usou a história da Química como pano de fundo para os debates. O caso escolhido foi o de Thomas Midgley Jr., criador de duas substâncias químicas de grande impacto na sociedade do século XX: o tetraetilchumbo, utilizado ao longo de várias décadas como antidetonante na gasolina; e os clorofluorcarbonos (CFCs), utilizados como gás refrigerante em geladeiras, ar condicionados e em aerossóis.

Evandro explicou que, por se tratarem de eventos históricos, os estudantes tiveram uma visão mais simplista quanto à liberação destas substâncias para uso — pois cometeram anacronismo, e supuseram que o conhecimento que se tinha na época é o mesmo que temos hoje. Porém, no fim das discussões, eles compreenderam a complexidade dos problemas.Problemas éticos não são do tipo ‘sim’ ou ‘não’. Eles apresentam nuances. A ideia central era desenvolver o raciocínio ético dos estudantes mais do que julgar as decisões”.

Na última aula, as questões foram discutidas em cima de casos hipotéticos, nos quais uma pessoa era apresentada a um problema ético. “O objetivo era que os estudantes analisassem as informações disponíveis, pensassem nas diferentes decisões que podem ser tomadas e nas consequências de cada uma; e em como eles procederiam se estivessem no lugar da pessoa”, explica o pesquisador.

Aplicação

Evandro conta que dá aula na Universidade Federal de Itajubá, em Minas Gerais, mas que ainda não vê um local propício nas disciplinas da licenciatura que possa ser inteiramente dedicado às discussões de Filosofia da Química, abordando todos seus tópicos e assuntos. Contudo, acredita que há espaço para inserir pelo menos um dos temas: a ética química.

Também, diz que pode introduzir outras orientações da pesquisa nas aulas, como por exemplo “prezar pela pluralidade de ideias; estimular o pensamento divergente; e proporcionar um ambiente saudável em que os estudantes possam expor suas ideias”.

Para ele, os pesquisadores de história da ciência, filosofia da ciência e sociologia da ciência não têm necessariamente o objetivo de levar para a sala de aula os estudos da pós-graduação. Pelo contrário, desenvolvem este material para o campo de pesquisa no qual estão, e não com objetivos educacionais. Assim, acredita que os professores devem selecionar a partir de seus estudos “as ideias e abordagens que permitam desenvolver compreensões mais elaboradas sobre a ciência entre os estudantes”.

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