Jogos de combinação ajudam no tratamento de rara doença neurodegenerativa

Estudo avalia desenvolvimento visual, cognitivo e motor de crianças com atrofia muscular espinhal

Fisioterapeuta Graziela Polido e seu paciente Arthur / Foto: arquivo pessoal

A Atrofia Muscular Espinhal (AME) é uma doença neurodegenerativa rara no mundo. Estima-se que uma em cada 10 mil crianças são acometidas por essa condição. Por conta disso, pesquisas nesse sentido são fundamentais para aumentar o conhecimento sobre a doença, como é o caso do mestrado de Graziela Polido, orientado pela fisioterapeuta Mariana Voos e realizado no departamento de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da USP (FOFITO).

Intitulada Desempenho visual, cognitivo e motor de crianças com atrofia muscular espinhal, a dissertação busca avaliar tais capacidades dos indivíduos com AME tipo 1. Esse tipo de AME geralmente é diagnosticado até os seis meses de idade, sendo considerada a mais grave, uma vez que afeta seriamente o movimento do corpo. Crianças que nascem com essa condição não controlam a movimentação da cabeça e não conseguem sentar sozinhas, o que acarreta em uma grande dependência.

Esse é o caso do Arthur, primeira criança com essa doença que a pesquisadora teve contato. A convivência com o menino fez com que houvesse a tentativa de trazer outras possibilidades para a reabilitação. Após as sessões de fisioterapia, Graziela realizava alguma brincadeira com o Arthur, como um jogo de videogame, no qual o paciente tinha um acionador adaptado no mouse para poder realizar os movimentos do jogo com os pés.

Nesse jogo, era preciso agilidade e a fisioterapeuta ou outras pessoas auxiliavam o Arthur trocando o mouse de lugar para que o paciente pudesse clicar. Quando a pessoa que estava ajudando o Arthur se distraía e não mudava o mouse de lugar, ele perdia o jogo. “Eu achava muito frustrante ele não poder nem brincar sozinho”, conta Graziela. Foi dessa ideia que nasceu a pesquisa para ajudar o desenvolvimento de crianças com pouca movimentação ativa e ausência de comunicação oral.

Rastreando o olhar

A pesquisadora utilizou um software de comunicação alternativa chamado Tobii PCEye, um rastreador ocular no qual o indivíduo pode selecionar a figura desejada piscando. Porém, isso não serve para todos, pois alguns pacientes com AME tipo 1 não piscam, como é o caso do Arthur. Dessa forma, foi utilizado um método de seleção de figuras por tempo de fixação, no qual a criança deveria olhar para a imagem escolhida por seis segundos para selecioná-la.

Para chegar nesse tempo específico, a pesquisadora realizou um estudo piloto, no qual testou o tempo ideal para a seleção das figuras. Notou-se então que se o tempo de seleção fosse menor, poderia gerar uma interpretação equivocada do software em questão.

Após essa etapa, foi adaptado um jogo de pareamento de figuras. Para a pesquisa, foram selecionadas 12 crianças com AME tipo 1 e a mesma quantidade de crianças sem a doença. Ambos os grupos foram divididos da mesma forma, com duas turmas de seis crianças alfabetizadas e seis não alfabetizadas em cada um.

O jogo era composto por quatro tarefas. A primeira consistia no pareamento de figuras simples, como por exemplo a combinação de carro com carro, bola com bola, borboleta com borboleta. Na segunda tarefa, o número de cédulas aumenta e se divide em duas partes: no pareamento da figura com sua cor correspondente, como borboleta azul com quadrado azul, bola de basquete laranja com quadrado laranja; e no pareamento de frutas, como uva com uva, banana com banana.

Pesquisadora Graziela Polido utilizando o software Tobii PCEye com sua paciente. Vídeo disponível no Youtube.

As últimas tarefas foram realizadas apenas pelas crianças com idade para estarem alfabetizadas. Enquanto a terceira tarefa consistia no pareamento de letras maiúsculas e minúsculas, a quarta atividade exigia a combinação de números arábicos e por extenso.

Nas duas primeiras atividades, todas as crianças do grupo sem a doença acertaram as tarefas, enquanto apenas quatro crianças com AME obtiveram a pontuação máxima. Nas outras atividades, quatro de seis crianças do grupo sem a doença acertaram todas as tarefas, enquanto nenhuma do grupo com a doença conseguiu a pontuação máxima.

Tais resultados evidenciam que as crianças com AME tipo 1 apresentam um desempenho abaixo do normal quando comparadas com crianças da mesma faixa etária, o que contribui para a hipótese da alteração cognitiva.

A pesquisadora pontua, no entanto, que tais tarefas avaliam apenas alguns aspectos da cognição, que abrange outras competências. Nessas tarefas foram avaliadas as capacidades de atenção, memória e resolução de problemas das crianças com AME tipo 1. Não se sabe se a alteração cognitiva encontrada é primária, de base da doença, ou secundária, devido à falta de estímulo. “O que vimos é que aquelas crianças que tinham uma vida social mais ativa, foram aquelas com melhor resposta cognitiva, o que nos mostra a importância dessas crianças saírem dos hospitais, irem para casa e, principalmente, participarem efetivamente da sociedade”, completa a pesquisadora.

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