Dieta e exercícios melhoram cognição de animais em condições semelhantes às do espectro autista

Imagem: El País/Reprodução

Uma pesquisa recém-realizada no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP observou efeitos positivos de duas estratégias diferentes no cérebro. A primeira é um tipo de dieta que gera uma melhora na memória e aprendizado de animais com macrocefalia (condição de crescimento exagerado do crânio). E a segunda é o exercício físico, cujos benefícios são de conhecimento mundial e os mais diversos possíveis. Desenvolvido no laboratório de Neurobiologia Molecular e Funcional do ICB, o estudo coordenado pela professora Elisa Mitiko tem sua atenção voltada para os efeitos na neurogênese, que é o crescimento de novos neurônios.

O foco do estudo tem sido relacionar as estratégias à ação da proteína PTEN, cuja importância vem sendo ampliada na medida em que suas funções são descobertas. Antes, resumia-se a ação da PTEN à supressão de tumores, mas agora ela é também relacionada ao crescimento e desenvolvimento de neurônios. Presente em diversas células de todo o organismo, a proteína tem importante papel no cérebro quanto à plasticidade sináptica. Diretamente relacionada à base e desenvolvimento da memória e do aprendizado, o conceito é basicamente a capacidade dos neurônios de se comunicarem por meio de sinapses. Ou seja, quanto maior a plasticidade, mais transmissões de impulsos nervosos entre neurônios acontecerão, e, assim, melhor será a formação cognitiva.

A pesquisa se propôs a modificar camundongos geneticamente quanto à PTEN para estudar quais seriam os efeitos da alteração dela no cérebro. E o que se observou foi o demasiado crescimento do cérebro – quadro presente em uma pequena porcentagem da população que apresenta autismo – e isolamento social, comprovado por testes comportamentais com outros indivíduos.

Ou seja, o animal que teve a proteína deletada, além de apresentar um quadro fenotípico típico de autismo, também demonstrou comportamento similar. Não dá para afirmar que os animais passam a ter autismo, mas uma condição semelhante. “Não existe um gene único que identifique o autismo. O que se fala é que a deleção da PTEN ocasiona um quadro de macrocefalia que muito se aproxima daquele que se observa em pacientes com espectro autista”, explica a professora.

Foi descoberto que, em animais com essas condições, um jejum intermitente provoca resultados positivos na plasticidade sináptica e uma consequente melhora na memória. O protocolo da dieta é de 30 dias e consiste em alternar dias com e sem comida. Isto é, no primeiro dia os camundongos tinham alimento à disposição e no segundo, não, voltando a ter alimentação normal no terceiro dia e, assim, sucessivamente. Os resultados evidenciaram significativa recuperação na cognição, sem, no entanto, demonstrarem melhoria no convívio com outros animais.

Quanto ao exercício físico, os estudos estão no início. Sabe-se que ele promove a neurogênese, mas o que o laboratório pretende estudar é se isso possibilita uma melhora na plasticidade sináptica e uma correção de algum dano induzido por alguma doença. “Com os experimentos que temos feito, vimos que o exercício físico tem um benefício, sim. Mas precisamos fazer mais alguns testes até ter a certeza de que ele tem efeitos semelhantes aos do jejum intermitente”, conta Elisa em relação à ação positiva do jejum nas sinapses.

Ação nos humanos

Em relação à dieta, é muito difícil pensar em transferi-la aos seres humanos, pois não é possível impedir o humano de comer por um dia. Mas o que se tem são dietas de jejum mais curto ou protocolos de restrição energética moderados. Ainda assim, não há, até agora, um trabalho que prove os benefícios do jejum intermitente ou da restrição calórica em humanos em termos de neurodegeneração.

“É um estudo a longo prazo, que deve ser feito de maneira longitudinal, ou seja, começar precocemente em termos de idade e seguir acompanhando”, explica a professora. Sem contar que, uma vez interrompida a terapia, o efeito cessa. “Todo processo é bastante plástico: enquanto você está fazendo a dieta ou praticando exercício físico, o efeito continua. À medida em que você para, seu organismo volta ao normal”.

Apesar de fazer parte do Departamento de Farmacologia, a professora Elisa Mitiko vem estudando tratamentos que previnam doenças neurodegenerativas de forma natural e não-farmacológica, a princípio. “Trabalho muito estudando como o estilo de vida de um ser humano pode ajudar a envelhecer com saúde”. A ideia é que, ao estudar não só as estratégias, mas as reações do organismo a elas, seja possível criar, no futuro, algum tipo de fármaco capaz de mimetizar os efeitos positivos das duas estratégias.

 

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