Institutos no Brasil incentivam estudo de línguas africanas

Estudo mostra motivos de se analisar essas línguas para além de seus impactos no português brasileiro

Foto: Marcos Santos (USP/Imagens)

As línguas africanas foram uma das responsáveis, juntamente com as indígenas, a darem origem ao Português Brasileiro (PB) e as peculiaridades de fonema e vocabulário que o distinguem do Português trazido pelo colonizador. Apesar de ser importante entender os impactos dessas centenas de língua para a origem do PB, a linguista Margarida Maria Taddoni Petter quis ir além e mostrar porque devemos estudar essas línguas para além da sua ligação com o Brasil. Com esse objetivo, Margarida, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, escreveu o artigo Por que estudar línguas africanas no Brasil?, publicado pela revista Extraprensa.

Por muito tempo a língua foi ignorada pelos estudiosos, que focavam em outros aspectos da cultura africana como a culinária e a religião. Segundo a autora, que estuda o tema há mais de 20 anos, a língua só era notada “quando os negros traziam para o português marcas de suas línguas maternas”. O domínio do português se tornou uma forma de classificação dos escravos africanos. Aqueles que dominavam a língua do colonizador eram chamados de ladinos, enquanto os que não dominavam eram chamados de boçais.

“Os africanos aprendiam o português para comunicar-se, pois não havia condição de continuar a falar suas línguas, já que não havia concentração de indivíduos de uma mesma região africana” , explica Petter. Alguns escravizados fingiam ainda não dominar o português para conseguirem sua liberdade, porque, a partir da lei de 07/11/1831, todos que entrassem no país eram considerados livres, então os escravos tentavam se passar por recém-chegados no território brasileiro. Sendo assim, nos primeiros séculos as línguas africanas eram tratadas como entraves e vistas de forma pejorativa. Por muito tempo o estudo das línguas africanas no Brasil esteve ligado com a sua influência ao português, sem haver estudos que se preocupassem em estudá-las separadamente.

As pesquisas, inicialmente, tratavam sobre os impactos na fonética e no acréscimo no léxico do português. “Quando se observou que o PB era diferente do português europeu, o léxico, por ser o elemento mais visível, foi apontado como o responsável por essa diferença”. Outros aspectos como morfologia e sintaxe necessitavam de conhecimento da linguística africana para que a comparação fosse feita. Como ela ainda não era estudada, essas vertentes ficaram de lado até o século XX, quando o debate sobre a identidade da língua nacional surgiu no país.

Então, para entender o contato linguístico que se deu no Brasil é preciso estudar as línguas africanas primeiramente. Porém, o estudo de Margarida tenta combater que esse seja o único motivo para se estudar tais línguas. “Como a África sempre foi vista do ponto de vista do Brasil, julguei importante chamar a atenção para o fato de que, do ponto de vista científico, as línguas africanas também podem e devem ser analisadas enquanto entidades autônomas”. No artigo, a autora faz um apelo aos linguistas sensíveis a essas questões com uma linguagem simples, o que possibilita que um leigo em linguística entenda a temática.

As línguas africanas constituem parte importante e relevante do inventário linguístico universal. São mais de 2.000 línguas e muitas delas ainda não foram descritas. É um material muito grande e o artigo incentiva que o Brasil invista e tome protagonismo nessa pesquisa. A autora ressalta a necessidade de institutos voltados só para o tema, assim como acontece na Alemanha, França, Bélgica e Estados Unidos. Além disso, Margarida Petter relembra que toda língua é viva e que registra e representa a história de um povo. Dado isso, a importância de se estudar línguas africanas não é apenas para linguística, mas também socio-histórica.

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