Comportamento de usuários em redes sociais denuncia traços depressivos

Dados coletados podem oferecer novas ferramentas para psicólogos e psiquiatras na detecção da doença

Frequência de posts e curtidas ajudam a detectar comportamento depressivo Foto: Pexels

As interações via rede social são uma das características vitais da vida em sociedade atual. Em todo o mundo, mais de 2,5 bilhões de pessoas possuem um perfil no Twitter, Facebook, Instagram e passam tanto tempo conectados e observando as interações de amigos e familiares que se torna simples notar características de desvio de comportamento e até mesmo tendências suicidas. É o que concluiu a pesquisadora Maricy Caregnato, doutora pelo Instituto de Matemática e Estatística da USP e docente da Universidade do Mato Grosso do Sul.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão se tornará uma das doenças mais incapacitantes em 2020. No Brasil, a realidade segue o padrão global, e mais de 75 mil trabalhadores foram afastados de seus cargos com a doença em 2016. Em uma conversa com colegas de trabalho, a pesquisadora teve a ideia de tentar detectar computacionalmente a mudança de comportamento de amigos e familiares. Casos próximos de suicídio também instigaram a vontade da pesquisadora em procurar uma mudança. “Na cidade onde moro, Cáceres-MT, o suicídio de três pessoas causou grande impacto. Uma cidade pequena, com menos de cem mil habitantes, e dentre as vítimas do suicídio duas delas eram colegas de trabalho na Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT”, conta Maricy.

Ao pesquisar mais sobre as causas que levaram os colegas ao suicídio, a pesquisadora chegou ao diagnóstico de depressão e viu nas redes sociais uma forma acessível de identificar os primeiros sintomas.

Inicialmente, o objetivo prático da pesquisa foi criar um modelo de regressão logística, que, analisando variáveis dependentes (nível dos sintomas depressivos de cada usuário) e explicativas (comportamento do usuário em rede, idade, sexo e idade) retornaria um resultado satisfatório dos níveis de depressão após a aplicação do teste: mínimo, leve, moderado e grave. Para análise do comportamento o estudo levou em conta postagens, curtidas e outras interações.

Maricy contou com uma equipe multidisciplinar para elaborar o modelo e estudar mais os padrões da doença.  Um app foi utilizado para coletar dados de curtidas e postagens. Para realizar o cruzamento dos dados, um questionário BDI-II, utilizado para selecionar o nível dos sintomas, foi aplicado.

A depressão afeta milhares de trabalhadores brasileiros todos os anos Foto: Pexels

O processo para liberação da coleta de dados foi trabalhoso. Segundo a pesquisadora, foi preciso um processo longo para a aprovação do aplicativo pela plataforma do Facebook e pelo comitê de ética. Além dos entraves burocráticos, o estigma entorno da doença também prejudicou a busca de participantes. “Conseguir voluntários para a pesquisa não foi fácil. Acabamos nos deparando com uma grande resistência por medo e preconceito das pessoas em participar e descobrir algo que não estavam preparadas, mas no final conseguimos 692 voluntários”, comenta.  

Após a organização dos dados e a realização dos extensos testes necessários, Maricy percebeu que a técnica de aprendizado de máquina não seria satisfatória e optou por utilizar técnicas de regressão. Foi possível detectar diversos padrões de comportamento: pessoas com sintomas graves com maior número de amigos se sentem desmotivadas a utilizar redes sociais; o número total de posts deixa de ser significativa para pessoas da categoria grave, assim como os níveis de tristeza para a categoria moderada;  usuários com sintomas depressivos leves e graves curtem mais páginas nos primeiros e quartos trimestres do ano, entretanto realizam menos postagens considerando o mesmo período; mulheres possuem mais sintomas graves que homens ; o aumento de curtidas e postagens também está condicionado a casos mais graves; todas as pessoas utilizam mais a rede social no primeiro trimestre, mas a probabilidade de uso se eleva com o nível de sintomas depressivos e nos demais trimestres não existe nenhuma correlação entre uso e sintomas. O nível de precisão dos resultados é de 95%.

“Para ilustrar, calcula-se a probabilidade esperada do evento, considerando um usuário com 25 anos, do sexo masculino, com 35 postagens e 98 curtidas no total, com 191 amigos, que está interagindo em uma madrugada do quarto trimestre, com escala de sono e apetite = 1, e com as demais variáveis = 0, assim, a probabilidade deste usuário ter comportamento depressivo leve é igual a 0”.

Agora, a pesquisadora espera que o modelo criado possa auxiliar psicólogos e psiquiatras na detecção dos sintomas e até mesmo criar uma nova ferramenta para o monitoramento dos sintomas depressivos, como jogos ou aplicativos para diversas outras redes sociais.

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