Fotografia evolui conforme mudanças nas relações sociais na Chapada Diamantina

Antiga região garimpeira, área hoje vive do turismo e faz "selfies" se multiplicarem

Turistas fazem fotos na Chapada Diamantina. Foto: Arquivo pessoal Pedro Benetazzo Serrer

A fotografia se destaca dentre as formas possíveis de se documentar um tempo e um espaço. A evolução das fotos produzidas ao longo dos anos na região hoje compreendida como Chapada Diamantina, na Bahia, foi o objeto de estudo Pedro Benetazzo Serrer na dissertação Estudo sobre as imagens fotográficas da Chapada Diamantina, desenvolvida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

O geógrafo introduz o tema destacando a necessidade de compreender a paisagem a partir dos processos sociais que nela resultam. Assim sendo, os limites das representações fotográficas dessas paisagens devem ser considerados durante o processo de interpretação das mesmas. Em sua pesquisa, Serrer comparou representações fotográficas da área, contrapondo imagens produzidas em momentos distintos de sua história socioeconômica e com distintas intenções.

O primeiro período analisado por Serrer começa ainda no século 19, quando a região passou a ser ocupada com a finalidade da extração de pedras preciosas. Nessa época, a área ficou conhecida como Lavras Baianas. “Era uma região garimpeira, de diamante”, contextualiza o geógrafo. E continua: “As figuras que compunham aquela sociedade diziam respeito ao garimpo: garimpeiros, proprietários de terra, negociantes de diamante — os capangueiros”. Nesse período, como se imagina, a fotografia ainda não era elemento largamente difundido, principalmente nos países periféricos, como o Brasil. Nesse contexto, Serrer destacou três grupos de fotografias e fotógrafos específicos.

O primeiro deles, Lindemann, “era um fotógrafo estrangeiro, de nacionalidade incerta, talvez francês”, conta o pesquisador. Radicado em Salvador no final do século 19, o fotógrafo produziu cartões postais sobre as Lavras Baianas nos anos 1900. “Os postais de Lindemann compunham uma campanha publicitária das Lavras Baianas a favor dos interesses de uma família proprietária de terras, com o intuito de atrair investidores para a região”.

Cartões postais de Lindemann. Foto: Arquivo pessoal Mestre Osvaldo

Ativo na mesma época, o cônsul estadunidense Furniss foi outra figura destacada por Serrer: “Fotografava lugares da Chapada e mandava informações para os Estados Unidos, para negociantes e empresários, sobre possibilidades de negócio na região”. Por último, o geógrafo colheu registros do jornal O Sertão, circulante entre os anos 1920 e 1950, cujo proprietário era o coronel Horácio de Matos. Nessa publicação, “as fotos eram principalmente de bustos de homens importantes, coronéis e outras figuras da política estadual e nacional”.

Fotografia do Cônsul estadunidense Furniss. Foto: Revista “Popular Science”, 1906

Um segundo momento da história da Chapada Diamantina estudado por Serrer é marcado pela regressão econômica. Diante de um cenário de abolição da escravidão e formação de uma massa de trabalhadores livres submetidos a relações de trabalho particulares, a produção na forma como se dava na região ficou insustentável. Somou-se a isso um importante processo de emigração observado a partir de 1930, as incertezas quanto à existência de mais diamantes no terreno e a relevância crescente de atividades não relacionadas ao garimpo, como a caça, a coleta e a pesca. A menor circulação de dinheiro na região a partir dessas mudanças caracterizara a regressão.

Nesse recorte temporal, Serrer analisou, entre outras, a atividade fotográfica do estadunidense Steve Horman, fotógrafo profissional, voluntário da agência norte-americana Peace Corps entre 1970 e 1974. Morador de Lençóis, produziu imagens da cidade e seu entorno. Ainda que essa não fosse a motivação principal do fotógrafo, parte delas “foi usada para atrair a atenção do Estado nacional, na figura institucional do IPHAN [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional], para a cidade de Lençóis após o pedido público de patrimonialização feito pelo grupo Movimento Criatividade Comunitária”, conta o geógrafo.

Steve Horman, voluntário da agência norte-americana Peace Corps. Foto: Arquivo pessoal Heraldo Barbosa Filho

A partir da segunda metade do século 20, a Chapada Diamantina passou a ser vista cada vez mais como área turística, inclusive por esforço e planejamento do Estado. “Desde os anos 1970, mas principalmente a partir dos anos 1980, muitos fotógrafos profissionais passaram a produzir imagens da área”, afirma Serrer. Nesse contexto, o mineiro Aristides Alves foi convidado, em 1976, para ser fotógrafo da Bahiatursa, superintendência de fomento ao turismo na Bahia. No mesmo ano, “o governo estadual baiano criou a EMTUR (Empreendimentos Turísticos da Bahia S.A.), órgão vinculado à Bahiatursa responsável pela construção de pousadas no interior do Estado”. As imagens produzidas nesse período tinham por fim estimular a atividade turística na região.

Por fim, Serrer se dedicou aos dias atuais, quando a Chapada Diamantina já é um destino essencialmente turístico. Nesse contexto, o pesquisador se debruçou sobre a internet e sua relação com a produção fotográfica. A esse respeito, Serrer diz que “a internet é o principal meio contemporâneo de circulação de imagens, ela reorganizou em vários sentidos nossa relação com as fotografias”. E dentre as transformações, destaca a “simultaneidade entre produção e veiculação da imagem: existe hoje a possibilidade do tempo zero da circulação”.

Para o geógrafo, outro aspecto interessante das imagens produzidas hoje é a falta de nitidez da fronteira entre o público e o privado. Mesmo as imagens que tratam do cotidiano e das relações entre familiares e amigos envolvidos na cena fotografada costumam estar disponíveis para qualquer pessoa ao redor do mundo com acesso à internet.

“Entendo paisagem e fotografia como resultado de processos sociais específicos”. Serrer conclui que as fotos não são entendidas como representações suficientes do tempo e espaço que registram. E afirma que para interpretá-las é preciso investigar os discursos por trás delas e as relações que as cercam.

 

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