Pesquisadores descobrem sistema bioluminescente codificável

Com a nova descoberta, cientistas estudam aplicar bioluminescência em plantas e modificar a forma como usamos a iluminação noturna

O estudo de fungos e cogumelos que emitem luz tenta, atualmente, possibilitar a inserção de bioluminescência em outros organismos eucariontes. Foto: Cassius Stevani

Cientistas de mais de cinco países, coordenados por Ilia Yampolsky, do Instituto de Química Bio-orgânica de Moscou, em parceria com Cassius Stevani, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), conseguiram introduzir bioluminescência em uma levedura da espécie Pichia pastoris. O experimento, publicado na revista PNAS no final do ano passado, demonstrou que é possível transformar outros seres eucariontes em seres bioluminescentes, capazes de produzir enzimas e substrato necessários para emissão de luz autossustentável.

O feito começou a se tornar possível há quatro anos, em 2015, quando o grupo moscovita, com a colaboração das pesquisas feitas anteriormente por Stevani, conseguiu desvendar a estrutura da luciferina, substrato da luciferase. Através de estudos de um fungo bioluminescente do Vietnã, da espécie Neonothopanus nambi, os pesquisadores conseguiram identificar a luciferina e duas das enzimas envolvidas no processo de emissão de luz. Há dois anos, em 2017, os dois grupos participaram na descrição de seu mecanismo químico e, no ano passado, em 2018, foram descritos todos os genes e enzimas envolvidos no processo. “Quando você conhece muito bem o que está acontecendo, você consegue aplicar”, explica Stevani, referindo-se ao experimento com a levedura.

O processo de transformação de um ser normal em bioluminescente se dá pela introdução de pelo menos quatro dos genes responsáveis pela emissão de luz em fungos. A inserção destes genes permite que o organismo modificado não expresse apenas a luciferase, possuidora do substrato responsável pela emissão de luz, como também outras enzimas envolvidas na biossíntese da luciferina, a partir de compostos naturalmente presentes em fungos e plantas, como o aminoácido tirosina ou ácido cafeico. Além disso, o produto gerado pela reação entre a luciferina e a luciferase de fungos, a oxiluciferina, é capaz de, junto à outra enzima descoberta pelos pesquisadores, regenerar o ácido cafeico. Uma vez que este ácido é regenerado, o processo de emissão é contínuo, o que faz com que o organismo passe a gerar luz enquanto permanecer vivo. Leveduras, células de anfíbios, de camundongos e humanas já foram transformadas em bioluminescentes, todos os casos bem-sucedidos.

Cogumelos bioluminescentes com e sem interferência luminosa no ambiente. Foto: Cassius Stevani

As pesquisas de Stevani sobre o processo de emissão de luz em fungos foi de fundamental importância para o sucesso do grupo. Seus estudos sobre bioluminescência começaram há 18 anos, em 2001, e o time de Yampolsky entrou em cena apenas 13 anos depois, já em 2014. O pesquisador do IQ-USP conta que o princípio de suas pesquisas foi complicado devido à falta de material descrito em território brasileiro: “No começo do meu projeto, não havia nenhum fungo descrito. Demoramos três anos para ter a primeira cultura, que é de um fungo chamado Gerronema viridilucens, o primeiro que achamos no Brasil e descrevemos. De lá pra cá, já achamos 18. Hoje, somos responsáveis por quase 20% das espécies descritas no mundo”.

Foi apenas em 2008 que o pesquisador brasileiro conseguiu encontrar cogumelos grandes, fator importante para a retirada de substratos e posterior análise, de um dos fungos bioluminescentes mais brilhantes do mundo em território nacional, no Piauí. A descoberta permitiu que Stevani contasse com material suficiente para seus estudos sobre o mecanismo de emissão de luz: “Com estes cogumelos, ficamos muito próximos de descobrir a luciferina de fungos, mas meus colegas da Rússia tiveram uma ideia bastante engenhosa, baseada no que havíamos publicado, e descobriram a estrutura antes de nós”, explica.

Com a descrição do sistema de fungos, sua bioluminescência passa a ser aplicável em diversos setores da sociedade, podendo trazer melhorias tanto para análises clinicas e para a medicina como para o urbanismo. A primeira aplicação possível, e a mais palpável até o momento, é o uso da luciferase como gene repórter intracelular, como é feito usando a GFP (proteína fluorescente verde de águas-vivas). Por este procedimento, a luciferase é expressa juntamente com a proteína que se deseja monitorar, permitindo seguir determinados processos em estudo dentro de um organismo vivo.

Ilia Yampolsky e Hans Waldenmaier, pesquisador norte-americano que fez seu doutorado sob orientação de Cassius Stevani, no entanto, pensam em outro uso mais ousado: usar a bioluminescência em árvores para iluminação urbana. Os pesquisadores chegaram a criar até mesmo empresas, como “Planta”, de Yampolsky, que pretende iluminar as ruas russas com árvores e plantas luminosas, e “Ocsnah Botanical Robotics”, de Waldenmaier, que possui o interesse de produzi-las e vendê-las em larga escala. A solução seria capaz de diminuir o consumo de energia elétrica e mudar totalmente a paisagem nas cidades, além de proporcionar projetos urbanísticos interessantes e sustentáveis.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*