Lixo ajuda na recuperação de solos contaminados

Matéria orgânica vira composto que reduz a concentração de poluentes em solos contaminados por derivados de petróleo

Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

O Brasil produz lixo como um país de primeiro mundo, mas o descarta como as nações pobres. Segundo dados da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), somente 58% do resíduos recebem a destinação correta. E isso representa um grande potencial desperdiçado. Em sua dissertação de mestrado, Camila Camolesi Guimarães descobriu que a matéria orgânica que vai todos os dias para os aterros e lixões brasileiros pode ter uma utilidade surpreendente: a de recuperar solos contaminados.

Os poluentes estudados foram os hidrocarbonetos de petróleo, ou seja, aqueles produtos provenientes do refino do petróleo bruto. Um exemplo é o óleo diesel, que inclusive foi usado na pesquisa. No estado de São Paulo, as atividades de armazenamento, comércio e distribuição de combustíveis e a atuação industrial geram grande contaminação do solo por esses hidrocarbonetos. “Então, teria bastante área para utilizar e aplicar essa técnica caso funcionasse”, diz Camila.

De fato, funcionou. A pesquisadora chegou à conclusão que “o composto orgânico serviu como um melhorador das condições do solo para degradação de hidrocarbonetos”. Esse composto é aquele já maduro, chamado comumente de húmus. Para a dissertação, Camila fez a coleta na Central de Compostagem da Subprefeitura da Lapa, em que a matéria orgânica vem das feiras livres que ocorrem na região. “É um composto de qualidade bem alta, que pode ser utilizado para a agricultura”, comenta.

Em suma, esse material tem duas funções: é uma rica fonte de microrganismos – que são os responsáveis por degradar as moléculas dos poluentes – e serve como melhorador da estrutura do solo. Além disso, resolve o problema da destinação do lixo. Há fechamento de um ciclo: aquilo que era alimento volta a ser adubo, que por sua vez, ajuda na geração de mais alimento.

Processo de pesquisa

Camila fez seu mestrado pelo Instituto de Energia e Ambiente (IEE), mas usou o Laboratório de Resíduos e Áreas Contaminadas do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) – onde trabalha desde 2014 – para fazer os experimentos.

A pesquisa envolveu dois tipos de óleo: o diesel e o BPF (óleo com baixo ponto de fluidez que é misturado com querosene e diesel). O solo utilizado foi o argiloso, que é mais difícil de ser remediado por conta da alta adsorção com os compostos poluentes. Camila utilizou duas variáveis de concentração de óleo e proporção de composto. No total, foram 12 combinações, com 24 bandejas de experimentação.

Imagem: Camila Camolesi Guimarães.

Ao longo dos 90 dias de duração do experimento, a pesquisadora fez várias medições, analisando diversos fatores. A conclusão é que a adição de uma pequena proporção de composto, por volta de 10%, já é suficiente para estimular os microrganismos a degradar o óleo. Ou seja, a remediação do solo não requer grandes quantidades de composto e tem resultado eficiente.

O óleo diesel, por ser mais leve, teve um resultado melhor que o óleo BPF, que adsorve mais no solo. Mas ambos foram significativos. Segundo Camila, 30 dias já seriam suficientes para a remediação, visto que é nesse primeiro período em que há a maior taxa de degradação dos poluentes.

Essa rapidez é benéfica principalmente para aqueles proprietários que precisam recuperar o solo por exigência da Cetesb (Companhia Estadual do Estado de São Paulo). Após a contaminação do solo, os responsáveis devem reduzir a concentração de poluentes até um nível que não seja prejudicial à população. Com a técnica desenvolvida pela pesquisadora, em 30 dias seria possível alcançar esse feito. E o melhor: sem um alto impacto ambiental.

Isso porque a pesquisa desenvolvida utilizou da biorremediação, uma técnica sustentável e com impacto ambiental baixíssimo, por vezes até inexistente. “Além de promover a degradação dos compostos, ainda melhora a estrutura do solo. Há o aumento da fertilidade e do espaço para aeração, além de maior fonte de energia para os microrganismos”, explica Camila.

No processo de biorremediação, os microrganismos, como bactérias e fungos, desempenham papel primordial. Eles quebram as moléculas dos contaminantes – no caso, dos hidrocarbonetos de petróleo – e as usam como fonte de energia. Ao fazerem isso, retiram a toxicidade do solo.

Anteriormente, as técnicas de recuperação do solo envolviam escavação e transporte para outra localidade. O problema de fato não era resolvido, apenas realocado. Além do alto custo, havia também um impacto ambiental terrível. Com a maior preocupação ecológica, veio a necessidade de realizar a remediação no lugar exato da contaminação.

Mas a biorremediação pode não ser vista como a melhor opção por algumas pessoas. Embora mais barata e com menor impacto ambiental, o tempo demandado é maior. “É o tempo do microrganismo para se adaptar e ir degradando ao longo do tempo”, diz a pesquisadora.

Central de Compostagem da Subprefeitura da Lapa. Imagem: Camila Camolesi Guimarães.

Compostagem, solução plural

Outro aspecto vantajoso do processo é a utilização das técnicas de compostagem, que pode ser resumida como a “degradação com presença do oxigênio dos resíduos orgânicos”. Todos aqueles restos de alimentos que são desperdiçados nas casas brasileiras diariamente podem se tornar úteis.

Além de possibilitar a remediação do solo, os compostos e adubos gerados pela compostagem oferecem uma saída mais sustentável para a agricultura, para a manutenção de parques e para o reflorestamento, por exemplo.

O Brasil, em especial, é um país com potencial expressivo nessa área, dada as condições climáticas e as características do solo. Esta foi, inclusive, uma das motivações de Camila. “No Brasil, eu não achei nenhum estudo, sendo que aqui há condições bem favoráveis ao processo de compostagem. Mas isso não é feito, pelo menos ainda não em larga escala”, comenta.

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