Estado ainda não enxerga organizações do terceiro setor como parceiros estratégicos

Mesmo após 3 anos de mudança na legislação, OSCs ainda enfrentam resistências no aperfeiçoamento das parcerias

As parcerias com OSCs possibilitam uma atuação conjunta para o aperfeiçoamento de políticas voltadas para a população. Foto: Freepik

Organizações da Sociedade Civil (OSCs) são todas as instituições que desenvolvem projetos sociais com finalidade pública. Muitas delas desenvolvem parcerias com o Estado. Foi pensando nessas parcerias que a doutora em Administração Pública e Governo e professora do curso de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo, Patrícia Maria E. Mendonça, desenvolveu sua pesquisa. Os resultados mostram que ainda é necessário aperfeiçoar essas parcerias, incitando um olhar mais estratégico por parte do poder público.

Para a pesquisadora, na gestão de políticas públicas, o público é uma ação de muitos atores, de forma que seu olhar dentro do curso sempre foi abrangente. Assim, começou a desenvolver pesquisas e orientações focando na questão das organizações do terceiro setor, com o objetivo de entender a diversidade de modelos e de organizações e as formas pelas quais se relacionam com o Estado.

Seu estudo tem como enfoque principal as organizações da sociedade civil menores, que fazem a operacionalização de algumas políticas nas áreas de assistência social, saúde e cultura. “No município de São Paulo, quase 90% da política de assistência social é realizada através dessas parcerias”, afirma. Na área da saúde, as organizações têm um papel muito forte na comunicação com campanhas de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e no trabalho com populações específicas. Já na área cultural, de acordo com Patrícia, as parcerias são muito fortes na descentralização da atuação do Estado em municípios menores e manifestações que estão fora dos grandes centros.

Outro recorte da pesquisa é com relação ao ambiente regulatório. Em 2014 foi aprovada uma lei que tenta unificar os procedimentos do Estado para se relacionar com essas organizações, o chamado Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). A legislação começou a ser implementada em 2016 e tenta mudar alguns paradigmas em relação a princípios de transparência, gestão de resultados e realização de chamamentos públicos para essas parcerias.

Os principais objetivos da Lei 13.019 de 2014. Imagem: Portal do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (http://www.participa.br/osc)

Na opinião de Patrícia, a lei é muito importante por dois principais motivos. O primeiro é para que ocorra uma mudança de olhar sobre as organizações, para que ele se afaste do controle burocrático excessivo e foque mais nos resultados e nos impactos que essas organizações têm obtido. “Muitas vezes se aplica sobre essas organizações controles que deveriam ser feitos apenas na administração pública e que não deveriam ser aplicados nesses casos”, declara a professora.

Além disso, ela diz que há uma resistência cultural, em especial no contexto de desconfiança com relação a gastos públicos que o país vive atualmente. Apesar disso, acredita que o aperfeiçoamento dessas relações também possibilitará maior transparência no trabalho das organizações e nos impactos que elas promovem, de forma que a população entenda a importância dessas parcerias. Uma iniciativa muito importante, na visão de Patrícia, realizada nesse sentido é o portal do Mapa das Organizações da Sociedade Civil, criado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). A página reúne dados e indicadores sobre as organizações e parcerias, além de mapear todas as organizações do território brasileiro e possuir um mecanismo de buscas.  

O segundo motivo da importância da legislação é que ela cria um tipo de contrato, o termo de fomento. Ele permite que as organizações tenham oportunidade de apresentar novos projetos para a administração pública, para que esta possa então apoiar essas implementações. Patrícia afirma que isso é muito importante para prover o Estado com algumas inovações e segmentações que só são possibilitadas por essas parcerias.

Além das inovações trazidas com as parcerias, existem muitos outros benefícios advindos da colaboração. Um deles é a maior flexibilidade para atender a população: “Essas organizações têm uma extensão territorial, têm conexões com as bases locais, com fontes, de maneira que muitas vezes o Estado não tem, e ainda possuem a possibilidade de fazer uma adaptação local no atendimento à população ”, afirma Patrícia. Além disso, as parcerias permitem uma agilidade maior no sentido da aplicação de recursos. Ao invés de ter que passar por todo o processo de estruturação de um serviço até que ele possa estar pronto para a população, o Estado pode fazer uma parceria com uma organização que presta esse serviço e já está em pleno funcionamento.

Outro benefício citado pela pesquisadora é que as organizações funcionam como um complemento da ação do Estado. Ela cita como exemplo o caso de uma organização de saúde que atua na prevenção de doenças junto ao Estado. Ao perceber um problema na provisão do serviço, a organização irá buscar a Secretaria da Saúde e o Ministério Público para que essas ações sejam cobradas do poder público e possam ser encaminhadas soluções. Porém, a pesquisadora garante: “Isso não significa dizer que elas vão substituir o Estado no seu papel fundamental de garantidor de direitos e de financiador principal das políticas sociais. Não é uma substituição, é uma complementação e, muitas vezes, um fortalecimento da própria atuação estatal”.

Patrícia acredita que a pesquisa pode despertar um olhar mais estratégico por parte do poder público de compreensão que as parcerias com as organizações não são um mero anexo da gestão de políticas públicas, mas são, em si mesmas, instrumentos dessas políticas. Além disso, ela considera o aperfeiçoamento dessas parcerias importante para que aconteçam sem o enfraquecimentos das organizações. Muitas vezes, ficam sujeitas a regras muito rígidas enquanto o Estado as enxerga apenas como um contrato administrativo. “A ideia é que esse olhar seja um pouco diferente, de que aquela organização é um parceiro. Não é para ser um peso para essas organizações do terceiro setor estabelecerem parcerias com o Estado”, conclui.

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