Plantio de sementes convencionais impulsiona soberania alimentar

Pressões da indústria sementeira para compra de transgênicos prejudicam agricultor familiar e deixam país refém de grandes empresas

Sementes crioulas e convencionais são chamadas de "piratas" pela indústria sementeira. Imagem: Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo

A soberania alimentar é o direito dos povos de definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos. Essa é uma das bandeiras do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA) do Brasil. E também o tema da tese de doutorado de Suênia Cibeli de Almeida.

Trabalhando há 24 anos na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a pesquisadora já teve contato com diversas políticas públicas. Uma delas foi o Brasil sem Miséria, mais especificamente, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Durante o programa de pós-graduação no Instituto de Energia e Ambiente (IEE), Suênia fez uma descoberta: apesar de ser uma política pública do Estado, quem a operava, de fato, eram os movimentos sociais.

Contudo, nem todos os grupos possuem as mesmas condições de funcionamento. Por isso, a pesquisadora resolveu procurar aqueles que tinham maior aporte de recursos e maior número de agricultores envolvidos. Na região Sul do país, especificamente em Santa Catarina, Suênia encontrou seu objeto de estudo.

Através da cooperativa Oestebio, os agricultores familiares do estado conseguiram alcançar não apenas a soberania alimentar, mas também a soberania genética. Isso quer dizer que, além de terem condições de produzirem seus próprios alimentos, esses produtores rurais deixaram de depender de grandes empresas para conseguir sementes para plantio.

A atuação desse grupo influenciou na criação do Programa de Aquisição de Sementes, outro braço do PAA. Além de fortalecer a agricultura familiar, o programa confronta a indústria sementeira, que prioriza os transgênicos e chama as sementes crioulas e convencionais – as mais utilizadas por pequenos produtores – de piratas.  “O movimento fez um projeto de sementes para que não apenas cada agricultor tenha suas próprias sementes, mas que eles pudessem vendê-las para outros agricultores”, comenta Suênia.

Esse mercado de compra e venda entre produtores só é possível por causa do tipo de semente usado. No caso daquelas geneticamente modificadas, o agricultor é obrigado a comprar novas sementes a cada plantio. Nesse sistema, além da perda da soberania genética, há também um grande gasto. A compra de híbridas e transgênicas representa 10% do custo total da produção do agricultor. Um número excessivamente alto. Principalmente quando há outras opções disponíveis.

A pesquisadora explica melhor o funcionamento do projeto no estado de Santa Catarina: “Eram mais de três mil agricultores, multiplicadores de sementes crioulas e convencionais, que produziam e comercializavam no Programa. Então, o Programa distribuía para equipamentos sociais no país, como creche, hospitais e para organizações de outros agricultores.”

Imagem: Maria Eduarda Nogueira.

Agricultura familiar, segurança e soberania

Outra definição importante dentro da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) é a de segurança alimentar. Ela se refere à garantia de que as pessoas tenham, ao menos, três refeições diárias, sem comprometer outras necessidades básicas. Ou seja, que as pessoas tenham comida na mesa e que isso não custe perda de qualidade de vida em outro aspecto.

A segurança está relacionada diretamente à soberania. E, consequentemente, ao Movimento de Pequenos Agricultores. Ao produzirem o próprio alimento, esses produtores garantem uma tríade de benefícios: alimentação, renda e autonomia. Mas nem sempre é fácil atingir esse objetivo. A pressão da indústria sementeira e a escassez de terras podem ser grandes desafios.

“A soberania alimentar tem esse pilar de soberania hídrica, soberania do território, soberania genética e de um mercado para que os agricultores possam colocar os seus produtos à venda”, explica a pesquisadora.

Por terem que enfrentar tantos desafios, a tese de Suênia, como ela própria define, é uma narrativa da resistência do MPA. Travar essa batalha sozinhos é quase impraticável. Assim, é necessário o respaldo do Estado. “Há como fortalecer esse mercado para a agricultura familiar, mas precisa de política pública. Só os agricultores resistindo para produção de sementes crioulas e convencionais não vai gerar o impacto necessário para a diminuição do avanço dos transgênicos”, alerta Suênia.

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