Acúmulo de metais em organismos marinhos traz alerta para o futuro

Animais marinhos, sedimentos e fragmentos vegetais foram analisados para verificar níveis de metais acumulados em teia alimentar pré-estabelecida

Os cetáceos objetos de estudos foram cedidos por laboratórios, onde já foram encaminhados para esses locais sem vida. Imagem: Marcos Santos/ USP Imagens

Pesquisa de doutorado de Tailisi Hoppe Trevizani realizada no Laboratório de Química Inorgânica Marinha (LaQIMar) Instituto Oceanográfico (IO) da USP investigou a concentração de diversos metais em animais marinhos de três estuários brasileiros. Os dados devem ser encarados com atenção por órgãos como a Anvisa, já que apontam alta concentração de alguns metais que poderão acarretar em problemas no futuro.

Baseada no litoral, foram estudados os estuários (embocaduras dos rios formadas em seu encontro com o mar) localizados em Paranaguá-PR, Cananéia-SP e Santos-SP.

A tese “Bioacumulação e biomagnificação de metais pesados em teias tróficas de estuários do sul-sudeste do Brasil”, traz consigo dois termos importantes. O primeiro, bioacumulação, descreve um processo em que substâncias ou compostos químicos são absorvidos pelos organismos, podendo ocorrer de forma direta ou indireta. O segundo, biomagnificação, diz respeito ao fenômeno que ocorre quando há acúmulo progressivo de substâncias de um nível trófico para outro ao longo da teia ou cadeia alimentar.

Dessa forma, Tailisi procurou apontar a bioacumulação e biomagnificação de metais pesados em teias tróficas nos estuários estudados. Teia trófica é um conjunto de cadeias alimentares (relações entre matéria e energia que os seres vivos utilizam para sobreviver) interligadas entre si. A ideia central era traçar o caminho de metais ao longo da cadeia alimentar estudada (imagem abaixo), sob o impacto histórico que sofrem as regiões costeiras no país pela ação do homem.

Foram base de estudo nos três estuários as concentrações dos seguintes metais: arsênio, cádmio, chumbo, cobre, cromo, níquel, selênio, zinco e mercúrio. Para embasar a pesquisa, foram incorporadas às análises os isótopos estáveis de carbono e nitrogênio (isótopos estáveis são partes de elementos químicos que não emitem radiação), presentes em sedimentos e organismos marinhos. Esses últimos representados por invertebrados bentônicos (como os moluscos e crustáceos), peixes bentívoros (como o cangoá, Stellifer rastrifer) e mamíferos marinhos (botos cinzas, Sotalia guianensis; e toninhas, Pontoporia blainvillei).

“Escolhemos espécies alvos do estudo desde o começo. Os mamíferos são sentinelas ambientais, ou seja, elas conseguem nos dar alertas sobre como está o ambiente, por estarem no topo da teia trófica“, explica a pesquisadora Tailisi Trevizani. Como os mamíferos marinhos ou cetáceos são pouco estudados, houve a observação de que essas são espécies ameaçadas na costa do Brasil, dando ainda mais base e importância para a pesquisa. “É uma iniciativa para que possa inclusive ocorrer outros estudos ao longo da costa brasileira.”

Teia trófica observada pela pesquisa, em que cetáceos estão com mais possibilidade de acumulação por estarem no topo. Imagem: Tailisi Trevizani

Os termos

Por não serem tão conhecidos, os termos podem causar confusão. Esta pode ocorrer quando o termo “bioacumulação” passa a ser usado como sinônimo de “biomagnificação” (ou até mesmo “bioconcentração”). Para diferenciar, é importante saber que bioacumulação possui ocorrência em um nível trófico e representa o aumento da concentração de uma substância nos tecidos ou órgãos dos organismos. Já bioconcentração ocorre quando as substâncias são absorvidas pelos organismos em concentrações mais elevadas do que o ambiente circundante.

Sendo assim, a bioconcentração e a bioacumulação acontecem dentro de um organismo, enquanto que a biomagnificação ocorre entre os diferentes níveis da cadeia alimentar (níveis tróficos). A simplificação desses termos e explicação dessa diferença, foram feitas pela professora Rosalinda Carmela Montone, que fez parte da banca examinadora da Tailisi. Demais informações podem ser acessadas no próprio site do IO.

As análises

A tarefa de análise de dados não foi fácil. Ao longo do ano de 2015, foram muitas as coletas e observações feitas. Como instrumento de captação de material, foi utilizado uma draga que recolheu sedimento e bentos, identificados ao nível de sua família na teia trófica. Peixes e lulas foram colhidas por redes de arrasto. Cumprindo o papel responsável com o meio ambiente, a pesquisadora afirma “que as espécies que não eram alvos da pesquisa foram soltas imediatamente após a identificação dos peixes não utilizados, com eles ainda vivos”.

A fim de armazenamento de informações os peixes foram pesados e medidos, fazendo também as suas sexagens (identificação de sexo). Os cetáceos foram provenientes da captura acidental feita por pescadores ou quando encontrados mortos na praia.

Especificamente a eles, houve a cessão por laboratórios. Em Paranaguá, quem cedeu os animais foi o Laboratório de Ecologia e Conservação do Centro de Estudos do Mar da Universidade Federal do Paraná (CEM-UFPR). Já em Cananéia, a colaboração com a pesquisa aconteceu pelo Laboratório de Biologia e Conservação Marinha do IO-USP, através do professor Marcos C. O. Santos. “É importante lembrar que os animais já estavam mortos, nós não matamos cetáceos para pesquisar”, enfatiza Tailisi.

As concentrações

Na paulista Cananéia e paranaense Paranaguá há uma bioacumulação semelhante dos elementos. O arsênio acumula-se principalmente nos peixes e demais organismos bentônicos. Níquel e chumbo só bioacumula nos bentos. Zinco, cobre e mercúrio, ficaram presentes em todos os níveis tróficos. Já o selênio só bioacumula no verão, quando este se encontra nos sedimentos.

Santos possui uma situação diferente. Há bioacumulação de arsênio, níquel, chumbo e zinco somente nos bentos. A semelhança fica com o selênio, que só bioacumula no verão, muito por conta da sua quantificação nos sedimentos. Já no mercúrio ocorre o processo de absorção em todos os níveis tróficos.

O único metal em que há a comprovação da biomagnificação é o mercúrio. “Por isso ele é o contaminante mais falado e polêmico. É uma capacidade própria dele (biomagnificar), causando assim, o aumento da concentração ao longo do nível da teia trófica”, diz a pesquisadora. Justamente por isso, há chance de se ter maior concentração dele nos cetáceos. “E se está nesse grupo, há a preocupação de que se chegue no ser humano, por conta do consumo alimentar do peixe”.

Resultado das cidades

Em Paranaguá, houve maior concentração de cromo, cobre, mercúrio e zinco. “Isso se deve à atividade portuária, águas residuais não tratadas vinda pelos grandes rios e contaminação agrícolas”, ressalta a cientista. Algumas características geoquímicas da região também foram fundamentais para essa quantidade de metais encontrados. A área do porto coincide com a zona de máxima turbidez, como se fosse o limite da maré com maior agitação das águas e suspensão de sedimentos, tendo maior redisponibilização do metal que estava no sedimento.

No estado de São Paulo, a cidade de Cananéia, apesar de aparentar ser o local mais preservado, apresentou grande concentração de arsênio. Uma das justificativas é que esse metal pode ser proveniente de forma natural, pelo embasamento rochoso. Contudo, também houve uma maior concentração de chumbo. “Em estudos anteriores, perceberam que esse chumbo está relacionado com a atividade de mineração na região. Ele aparece biodisponível, continuando sendo assimilado pela biota (conjunto de seres vivos da fauna e flora) da região”, explica Tailisi.

Em Santos, onde se esperava grandes concentrações, foram encontrados altos níveis apenas nos sedimentos. Na biota os metais níquel, cádmio e selênio foram os que apresentaram as maiores concentrações. “Estes estão ligados às atividades urbanas da região, em especial o selênio com a presença de esgoto não tratado, e o cádmio e níquel relacionados às indústrias”. No alto estuário não foram encontradas espécies de peixes, apenas na baía. Um ponto preocupante, visto que as atividades da região afetam a qualidade da água e dos sedimentos. Podendo, futuramente, afetar ainda mais a organização dos seres vivos ao longo do estuário santista.

“Decidi fazer uma ligação com o que estudei na graduação e no mestrado. Observei também que em Santos não tinha um estudo com esse olhar. Fui por um lado ecossistêmico e social ao incluir a biota, já que um peixe pode servir como alimento”, declara Tailisi Trevizani.

Os dados apontam algumas preocupações para o futuro. As altas concentrações apresentadas devem ser vistas de perto por órgãos competentes. Estes regulamentam as concentrações de metais que devem estar presentes no pescado comercializado. No Brasil, a responsável pelas normas e fiscalização é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Internacionalmente, os níveis ideais são apontados pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO-ONU).

A pesquisa teve orientação do professor Rubens Cesar Lopes Figueira, do IO-USP, e co-orientação da professora Camila Domit, do CEM-UFPR.

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