Estudo mapeia e analisa recente “boom” de smartphones

Desde o início da década de 2010, celulares têm se popularizado e mudado a vida de todos

Dentro dos vagões de trem, os passageiros veem o mundo pelas telas do celular. Créditos: João Gabriel Batista

“O Facebook está interessado em inclusão digital do mesmo modo como os agiotas se interessam pela inclusão financeira”. A frase é do pesquisador Evgeni Morozov em seu mais recente livro publicado no Brasil, “Big Tech, A ascensão dos dados e a morte da política”, mas poderia estar presente na mais recente pesquisa de Mait Bertollo, “A capilarização das redes de informação no território brasileiro pelo smartphone”, tese de doutorado feita na FFLCH.

Ao final de 2013, quando concluía sua dissertação de mestrado sobre o “circuito espacial produtivo da vacina” no contexto da pandemia de gripe suína ocorrida em 2009, a velocidade de transmissão das informações chamou a atenção de Mait. A isso ela logo associou a banalização do uso dos smartphones. O processo se intensificou ao ponto de hoje, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a maior parte das pessoas usar o dispositivo para acessar a internet.

Defendida na USP este ano, a tese de doutorado buscou observar e analisar o panorama do smartphone no Brasil, bem como o sistema de circulação das informações. O período de análise escolhido por Mait compreende de 2014 a 2018. “Foi um momento em que houve um crescimento significativo dos fluxos de informação, que ocorreu de forma banalizada no território e estava diretamente relacionado à popularização do smartphone. A tese é um diagnóstico do período”.

Segundo a tese, “a capilarização da informação pelo território se generalizou no cotidiano das pessoas, em várias faixas etárias e de renda”. Como consequência, “essa dinâmica promoveu uma transformação muito profunda e significativa no uso do território”.

Exemplos do que a tese fala são abundantes no dia a dia. Na cidade de São Paulo, torna-se cada vez mais comum a figura do entregador de aplicativos de delivery equipado com uma patinete elétrica ou uma bicicleta alugada. Uberização é o nome desse processo, que só foi possibilitado graças à disseminação do smartphone.

A plataforma de expansão

O planejamento necessário para a expansão do acesso à internet também foi alvo do olhar de Mait. Isso inclui a instalação das Estações Rádio Base (ERB), que são basicamente torres com capacidade para comportar várias antenas. Estas transmitem o sinal de internet, televisão e telefone. Mait mapeou todas as 92.116 estações em território nacional. “No site da Anatel eu encontrei todos os documentos mostrando quais antenas estavam legalizadas. Eu peguei então o CNPJ de cada antena e achei a localização (latitude/longitude) e coloquei no mapa”, ela conta.

Estações Rádio Base (ERB) distribuídas pelo Brasil. Créditos: Anatel; Org.: Mait Bertollo

Com base no mapeamento das estações, a pesquisadora pôde constatar que o acesso à internet hoje no Brasil é amplo, mas desigual. “A internet está em muitos pontos, mas a qualidade não é boa. Em muitos pontos, isso tem relação direta com a renda. Essa capacidade de receber e usar informações vai depender de qual ponto você está falando. É um lugar onde há densidade de redes? É uma capital? Ou mesmo dentro da capital, dependendo do bairro onde você está, o sinal é ruim porque ali talvez a renda da população não seja tão alta a ponto de se fazer o investimento”.

Mapa do tipo anamorfose ilustra a desigualdade quanto à localização de usuários de smartphone. Créditos: IBGE. Org.: Mait Bertollo.

O lado oculto da rede

Para aqueles que veem na internet um ambiente livre de troca de informações a pesquisa de Mait pode causar desilusão. Esse caráter livre se perde, segundo ela, devido à ação de agentes hegemônicos que controlam as redes. “[Esses agentes] são as grandes corporações ligadas à comunicação, como o Facebook e o Google, lembrando que essas empresas possuem outros aplicativos. Por exemplo, o WhatsApp, que é o aplicativo mais usado no Brasil, é do Facebook, assim como o Google é dono do YouTube”. Tal aspecto, conforme destaca a pesquisadora, é agravado pela prática comum das operadoras de não cobrar pelo uso de redes sociais por meio do zero rating. Nesse tipo de “promoção”, os usuários podem usar o WhatsApp ou Facebook sem ônus no pacote de dados, mesmo quando se excede o limite de internet do plano. Quando isso acontece, o usuário só pode acessar tais aplicativos, sem poder abrir links, fazer uma simples pesquisa ou ler notícias em portais de jornalismo ou de outras fontes, o que limita o uso da internet.

Mais do que desenvolver serviços, as grandes empresas da internet visam ao aumento da quantidade de usuários e, assim, a expansão das suas redes. Basta imaginar a quantidade de posts que uma pessoa faz num único dia para se ter ideia da quantidade de dados compartilhados com tais redes no mundo todo. “Esse imenso conjunto de dados capturados, armazenados e produzidos continuamente no mundo todo é comercializável e cada vez mais valioso. Ele passa por processos que extraem valor desse grande acúmulo”, explica a pesquisadora. A essa enorme massa de informações, gerada intencionalmente ou não, se dá o nome de Big Data.

“Quando se usa o Facebook, a pessoa acessa informações, mas o Facebook também acessa suas informações. É por isso que são empresas tão poderosas, porque além de elas decidirem qual conteúdo será veiculado, elas também têm acesso às informações dos usuários”.

Em março de 2018, descobriu-se que informações de mais de 50 milhões de pessoas foram compradas do Facebook pela empresa de análise de dados Cambridge Analytica. Entre os dados coletados, estavam nome, profissão, local de residência, gostos e hábitos. A Cambridge Analytica usou tais informações ao trabalhar nas campanhas de Donald Trump para a presidência dos EUA e de apoio ao Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia).

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