“Escolas abertas” são mais flexíveis nas formas de ensinar

Modelo escolar presente no Japão e no Brasil, estudado em tese de doutorado, garante mais possibilidades de trabalhar os espaços e os conteúdos nas salas de aula

As vivências espaciais das crianças começam cedo. Imagem: Motai, 1996.

A análise de um modelo escolar chamado “escola aberta”, que é bastante presente no Japão e possui unidades em Brasília, levou a conclusões interessantes pelo pesquisador Dalton Bertini Ruas, graduado em arquitetura e urbanismo pela FAU-USP. Segundo ele, esse modelo alivia vários questionamentos presentes dentro da comunidade escolar, relacionados a quão abertas ou fechadas devem ser as salas de aula. Isso porque as escolas abertas têm espaços mais flexíveis, e se adaptam melhor às preferências de cada professor (e às dos próprios alunos). Se eles sentirem a necessidade de maior abertura, as estruturas da escola o permitem, e o mesmo acontece se precisarem de espaços mais fechados, com mais privacidade.

“Dependendo do professor, cria-se meios para transformar a sala de aula em um espaço quase tradicional (com a instalação, por exemplo, de cortinas); enquanto outros se incorporam a esse espaço, e deixam ele do jeito como foi projetado”, diz o pesquisador. Se existe uma abertura entre a sala de aula e o espaço ao ar livre, por exemplo, o professor pode escolher dar aula dessa maneira, ou colocar algum acessório (como painéis, ou cortinas) que deixe a sala mais fechada. No Japão, é comum que existam paredes móveis, ou paredes com portas deslizantes. Em último caso, a escola pode também fechar esses espaços de forma mais definitiva, conforme houver necessidade de fazê-lo.

A tese de doutorado, “Espaço aberto: entre o projeto e a experiência escolar na Escola Parque e Escola Aberta Japonesa”, realizada pela FAU-USP com estágio de pesquisa na Universidade Nacional de Yokohama (Y-GSA), acompanhou de perto escolas abertas japonesas e Escolas Parque brasileiras, estudando-as por meio de entrevistas com alunos, diretores e professores (além de outras atividades, como a montagem de maquetes). As escolas brasileiras analisadas estão localizadas em Brasília, e foram implementadas principalmente durante a fundação da cidade (década de 60), pela iniciativa pública. Arquitetos, em atuação conjunta com o educador Anísio Teixeira, foram responsáveis pelos projetos instaurados por ali. Já no Japão, a primeira experiência escolar aberta aconteceu em 1972 pela iniciativa privada, e em 1984 pela iniciativa pública. Hoje, no Japão, esse modelo abrange por volta de 10% da rede escolar.

Visão do centro de informação da Escola de Honcho, no Japão, no momento de inauguração e em seu estado atual . Fonte: Id., 1987 e Dalton Bertini Ruas, 2017.

Descompassos entre projeto e vivência

No Brasil, as estruturas atuais dessas escolas são muito semelhantes às de uma escola convencional. Enquanto o projeto inicial era fazer espaços mais “livres, abertos, horizontais, destacando os volumes públicos (como teatros), de maior espaço e utilização”, como explica Dalton Ruas, as vivências espaciais hoje são diferentes disso. Na construção das escolas em Brasília, no início da década de 60, essas ideias foram mantidas, sendo implementadas nas construções por uma equipe de arquitetos modernistas. Durante o período militar, no entanto, o sistema dessas escolas se alterou, tornando-se mais fechado. As Escolas Parque (nome das escolas abertas de Brasília) se tornaram, praticamente, escolas com estrutura convencional.

O que as diferencia até hoje do modelo mais tradicional (e esse é um detalhe importante do projeto de Anísio Teixeira) é que estudar em uma de suas unidades significa também ter aulas em uma outra sede dentro de Brasília (chamadas então Escolas Classe). As crianças passam a maior parte do tempo em uma Escola Classe, onde o currículo é mais tradicional, e, geralmente durante a tarde, deslocam-se para uma Escola Parque, que fica em um outro local do município. A ideia é justamente que, ao fazer esse deslocamento (muitas vezes diário), a criança tenha uma vivência espacial diferente, e passe a ter contato com a cidade de uma outra forma (conhecendo mais os seus vários lados).

O pesquisador diz que a ideia inicial era que as crianças transitassem a pé pelos espaços, mas as escolas começaram a ser construídas longe demais umas das outras. Por causa disso, passaram a usar outros transportes: vans, ou mesmo carros. Ele diz, no entanto, que isso gerou um novo aprendizado: “Imagine as crianças irem das regiões administrativas, onde elas moram, que não tem nem esgoto, nem água tratada, e frequentarem depois esses espaços públicos das áreas centrais da cidade. A vivência espacial é outra”.

As Escolas Abertas japonesas são bastante diferentes disso. Cada unidade é independente, e a característica de os espaços serem mais abertos (entre salas de aula, ou mesmo entre essas salas e o ar livre) continua muito presente.

Escola elementar japonesa de Fukumitsu, com visão dos chamados “painéis móveis”. Fonte: Nagakura, 1993.

Esse modelo escolar foi implementado no Japão, no início da década de 70, por diversas razões: uma delas é que os professores eram tão rígidos, que muitos deles inclusive batiam nos alunos naquela época. “Excluindo as paredes, tornava-se mais públicas essas questões”. Além disso, o pesquisador também diz que o ensino japonês, por ser rígido, não era estimulante: “Era um meio com muitos casos de depressão, de bullying. Esse foi um jeito de estimular uma renovação na escola japonesa, chegando, agora, até 10% de sua rede escolar”.

Tendo começado a fazer parte da iniciativa pública em 1984, esse modelo, no Japão, possui uma complexidade de construção muito maior do que a das escolas abertas brasileiras. Além de artifícios como paredes móveis, e paredes com portas deslizantes, existe, para Dalton, uma melhor articulação e detalhamento – um melhor planejamento das construções.

A questão sonora é um exemplo interessante. No Brasil, algumas das Escolas Parque foram construídas com muitos espaços abertos, mas tiveram que ser fechadas pouco tempo depois: ninguém conseguia utilizá-las, uma vez que não havia mecanismos técnicos para que o som ficasse realmente preso dentro das salas (para que os alunos conseguissem ouvir seus professores). Já no Japão, criou-se vários sistemas para permitir que as salas fossem bem utilizadas: “não é uma questão só de tirar porta. É dar condição para que as escolas funcionem sem portas, inserindo reentrâncias no teto, por exemplo, ou colocando paredes de vidro. No sistema brasileiro, isso não aconteceu”, critica o pesquisador.

Tais escolas abertas, tanto japonesas quanto brasileiras, possuem um currículo escolar muito similar ao de escolas convencionais do país. A inovação, portanto, não estaria tanto no conteúdo das escolas, e sim na sua forma.

Contextualização das escolas abertas

Esse modelo escolar foi desenvolvido primeiramente na Inglaterra do pós-guerra. Segundo Dalton, os ingleses, a partir da Segunda Guerra Mundial, estavam tentando tornar os ambientes menos rígidos, mais acolhedores – como uma continuação da casa das próprias crianças. A arquitetura era mais simples, típica dessa época, e visava a um estado de bem social “muito claro e mais acessível”. Essa nova forma de ver a escola e seus espaços acabou por influenciar toda uma gestão europeia de educação: mais tarde, viria a existir um modelo alemão, e outro francês.

Pouco depois da Inglaterra, os EUA também desenvolveram um novo modelo escolar, mais com uma iniciativa de criar fundações e centros de pesquisa. O pesquisador explica que a ideia ali não era propriamente espacial, e sim criar um modelo que oferecesse o que houvesse de mais moderno aos alunos, e que os formasse como modelos de eficiência.

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