Ciclones do Atlântico Sul sofrem alterações devido às mudanças climáticas

Ciclone Catarina, em 2004. Créditos: Wikipédia Commons

Os ciclones exercem grande influência no tempo e clima brasileiros, desde as frentes frias e ressacas marítimas, até na distribuição de chuvas no País.  O estudo de suas formações e comportamentos são importantes para a previsão do tempo, prevenção de catástrofes naturais, além de planejamento hídrico, energético e nos setores petrolífero e naval. Pensando nisso, Carolina Gramcianinov estudou o comportamento dos ciclones do Atlântico Sul em sua tese de doutorado, defendida recentemente no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG), e constatou mudanças importantes no número de ocorrências e intensidade destes sistemas no clima futuro.

Gif mostra a movimentação das massas de ar. Créditos: INPE/CPTEC

Para analisar os ciclones, Carolina utilizou um algoritmo de identificação e rastreamento automático: um programa que chama Track, e foi desenvolvido pelo pesquisador britânico Kevin Hodges, da Universidade de Reading, no Reino Unido (Hodges foi um dos colaboradores do trabalho e co-autor do artigo). O programa identificou os ciclones a partir do campo de movimentação do vento em superfície, concentrando o estudo em sistemas que duraram mais que 24 horas e se deslocaram mais que mil quilômetros de distância.

A vorticidade relativa é a medida da tendência de rotação do vento. Os ciclones no Hemisfério Sul têm rotação no sentido horário, portanto, podemos identificá-los encontrando centros de vorticidade mínima. “Uma vez que o programa identifica todos os centros de interesse ーpotencialmente ciclones ー em todos os instantes de tempo dos dados, ele ‘conecta’ os pontos mais próximos em instantes de tempo subsequentes para construir o ‘caminho’ provável de cada ciclone”, explica a pesquisadora.

De acordo com o mapeamento realizado, Carolina conseguiu mapear 4 regiões ciclogenéticas: Sul, na costa central da Argentina, no Nordeste Argentino e Uruguai, na costa Sul e Sudeste do Brasil e em uma região do Atlântico Sul, pouco explorada por pesquisadores: “Essa região pode influenciar o sul da África e pode ser importante para a formação ou modificação de massa de água no Atlântico Sul, uma vez que em áreas de formação de ciclones as trocas entre oceano e atmosfera são intensificadas.”

Mapeamento das regiões ciclogenéticas. Créditos: Climate Dynamics – Gramcianinov e colaboradores 2019

Resumidamente, a maior parte dos ciclones gerados nas áreas pesquisadas se deslocam na direção sudeste-leste, seguindo o escoamento oeste-leste do vento de grande escala. No entanto, esse direcionamento faz com que sua frente fria associada se desloque para nordeste-leste durante sua evolução. Por isso, mesmos ciclones gerados na costa da Argentina podem afetar o clima no Sul e Sudeste do Brasil. Por exemplo: muitas vezes existe uma frente fria atuando na região Sul e o centro do ciclone já está bem afastado do continente, mais ao leste-sudeste. Já os ciclones extratropicais gerados ao largo da costa sul e sudeste do Brasil e no Noroeste da Argentina e Uruguai no inverno são mais intensos se comparados com os outros ciclones gerados no Atlântico Sul. Pela proximidade com a costa, esses ciclones têm um maior potencial de afetar a vida humana, através de chuvas, ventos intensos, ressacas e entre outros fenômenos meteorológicos.

De acordo com os resultados obtidos, Carolina constatou que a ciclogênese a norte da latitude 35ºS tem muita influência do fluxo de umidade e calor provenientes da Amazônia e do Oceano Atlântico. Ambos contribuem para a geração de uma perturbação em superfície e consequente abaixamento de pressão atmosférica. A presença da Cordilheira dos Andes e do gradiente de temperatura ao largo da costa também são fatores importantes para o desenvolvimento de ciclones nesta região.

Os ciclones formados ao sul da latitude 45ºS tem menos influência dos fluxos de umidade e se desenvolvem mais onde o gradiente de temperatura (direção e variação das temperaturas) em superfície e a variação da corrente do vento são grandes, ou seja, o vento muda com a altitude, propiciando movimentos verticais na coluna atmosférica e contribuindo para a redução de pressão em superfície.

Ciclones formados na região da latitude 35ºS influenciam os fluxos de umidade e calor, enquanto os ciclones formados na região da latitude 45º S se desenvolvem onde a variação da temperatura e dos ventos são maiores. Créditos: Tropicaltidbits.com

Através da análise de um modelo climático global e sua regionalização para o Atlântico Sul, a pesquisadora conseguiu mostrar evidências de que a redução dos ciclones em médias latitudes está associada ao aumento da estabilidade estática da atmosfera. No entanto, regiões como a costa Sul e Sudeste do Brasil e o Uruguai podem apresentar um leve aumento de ciclogênese, que está associado à intensificação do jato de ar de altos níveis entre as latitudes 25º e 35ºS e o aumento do fluxo de umidade e calor para essas localidades. “Esses dois fatores ‘contrabalanceiam’ o aumento da estabilidade estática, impedindo a redução no número de ciclones na região”, explica a pesquisadora.

Comportamento dos ciclones é consequência das mudanças climáticas

Em sua pesquisa, Carolina não realizou nenhuma análise em busca de relações entre as atividades humanas e as mudanças nos processos de formação dos ciclones. Apesar disso, segundo a pesquisadora, “existem vários estudos que mostram a relação do aumento de emissão dos gases de efeito estufa, pela atividade humana, e o aquecimento global observado”.

Carolina ressalta que o termo aquecimento global se refere ao aumento observado da temperatura média global da superfície da Terra. “Ele ocorre como uma resposta do balanço radiativo do planeta (relação entre a quantidade de energia que entra e sai do planeta) pelo aumento de gases do efeito estufa”. A pesquisadora ainda comenta sobre o efeito desses gases: “Com o aumento desses gases, a Terra tende a armazenar mais calor (menos calor consegue escapar pro espaço) e portanto, esquenta. Já as ‘Mudanças climáticas’ já são as consequências desse aquecimento na dinâmica do clima do planeta – que engloba alterações nos mecanismos de formação dos ciclones, como o aumento da estabilidade estática, intensificação do jato, aumento de umidade, entre outros componentes’’.

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