Proposta de aluguel de moradias sociais vai ao encontro do sonho da “casa própria”

A arquiteta Ângela Barbon desenvolveu doutorado analisando o atendimento habitacional social brasileiro, e propôs locação como solução complementar ao sistema baseado na aquisição da moradia

Ilustração de conjunto habitacional social. Imagem: Lígia de Castro.

Uma análise das políticas de habitação social brasileiras feita recentemente pela urbanista Ângela Luppi Barbon, em doutorado pela FAU-USP, abordou novas soluções para os atuais problemas de atendimento habitacional no País. Em sua tese de nome “Atendimento habitacional social: produto ou serviço?”, Ângela chega à conclusão de que, para que a habitação social brasileira seja concebida mais como serviço do que como produto, é necessário que as políticas públicas incorporem novas soluções.

Uma proposta viável de mudança seria, segundo ela, que o sistema de locação de habitações passasse a ser utilizado de forma complementar ao sistema de compra. A pesquisadora reforça, no entanto, que mesmo mudando o formato das políticas públicas, não haverá como manter um atendimento habitacional social de qualidade se o investimento reservado para isso não for de longo prazo.

Para entender melhor o assunto, é importante começar explicando que tipo de atendimento habitacional é tido como “produto” e como “serviço”. Ângela explica que o atendimento tradicionalmente concebido e operacionalizado como “produto” tem um caráter predominantemente quantitativo, no qual “as soluções homogêneas favorecem os ganhos de escala em detrimento de preferências, especificidades ou possibilidades socioeconômicas e culturais dos diferentes núcleos familiares”. Esse tipo de atendimento habitacional permite que a carência habitacional seja suprida com mais rapidez, diminuindo o “déficit”, mas gera problemas na medida em que “reduz a flexibilidade necessária para atender às demandas das famílias e, no caso brasileiro, afeta negativamente a mobilidade dos trabalhadores e impacta negativamente as finanças públicas”. Embora a população tenha acesso à habitação de forma mais rápida, a pesquisadora afirma que os problemas ligados à manutenção das residências fazem com que realocações muitas vezes sejam necessárias. O sistema baseado na aquisição de imóvel é, no Brasil, muito presente nessa forma de atendimento.

Já o atendimento habitacional concebido como “serviço” tem um caráter mais qualitativo, uma vez que permite atender às necessidades específicas de cada núcleo familiar. Nos exemplos analisados pela pesquisadora Ângela, há uma maior integração com serviços de apoio adequados a uma clientela específica. “Há ações que promovem a autossuficiência econômica dos moradores, a melhoria de seu desempenho acadêmico e garantem a permanência da população menos favorecida nas áreas de intervenção”. Nesse tipo de atendimento social, encontram-se mais exemplos de locação dessas habitações (ao invés da compra das mesmas). “É importante ainda destacar que todos os casos envolvem ações de longo prazo, valorização das parcerias e dos aspectos relacionados à gestão contínua com a integração do atendimento habitacional a outros apoios financeiros”, conclui ela.

Uma possível solução

Tendo atuado nos últimos 15 anos no setor público de habitação do município e do estado de São Paulo, Ângela diz que chegou a uma conclusão “empírica” sobre o assunto: “não há uma solução de atendimento habitacional universal suficiente e adequada para suprir nossas carências e déficits”. Segundo ela, pensar em soluções únicas, quantitativas – pensar apenas em um atendimento habitacional concebido como “produto” – não resolverá os atuais problemas que o Brasil e o estado de São Paulo têm em relação à questão habitacional.

Por isso, a pesquisa de Ângela procura não só fazer uma análise do atendimento, como também propor soluções a ele. Uma delas, repetida em diversos momentos da tese e da entrevista, é a de complementar o atual sistema de compra de habitações com um sistema de locação. A pesquisadora argumenta que países desenvolvidos usam esse tipo de sistema para atendimentos habitacionais, e que ele também seria viável no Brasil porque o custo do poder público para garantir a permanência das famílias nas moradias locadas durante o tempo de vida
útil da edificação
, no final das contas, seria o mesmo do preço gasto para permitir a aquisição e manutenção da moradia, durante o mesmo período, pelas famílias de menor renda. A diferença, aqui, é que o volume de subsídios reservado à locação seria diluído com o tempo. Momentaneamente, portanto, sobrariam mais recursos para investir na manutenção das habitações, e em outros serviços de apoio às famílias.

“O volume de subsídios necessários para viabilizar o acesso das famílias a imóveis alugados pode ser similar ao necessário para o acesso pela aquisição, além de apresentar uma vantagem em relação à questão orçamentária por se diluir em um maior período”, resume ela em sua tese.

Apesar de as políticas públicas brasileiras atuais continuarem priorizando o “sonho da casa própria”, como afirma Ângela Barbon, essa solução do aluguel de residências poderia trazer resultados mais positivos para as famílias. A pesquisadora reforça, no entanto, que o financiamento a longo prazo é essencial para que essas políticas de atendimento habitacional social funcionem de verdade. “É importante salientar que a forma de ocupação dos imóveis não é necessariamente fator decisivo para os resultados das políticas públicas no enfrentamento das necessidades quantitativas nos casos analisados. Os bons resultados tendem a estar muito mais relacionados à disponibilidade contínua de recursos suficientes”, conclui ela.

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