Coleta de dados leva visibilidade a periferias

Projeto reúne informações sobre comunidades que ficam em torno da USP

“Romper o paradigma da carência pelo da potência”, diz Dálcio Marinho Foto: Jorge Maruta/USP Imagens

Um censo desenvolvido na Cátedra Olavo Setúbal de Arte, Cultura e Ciência, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, está reunindo diversos dados sobre as comunidades que se encontram nos arredores dos muros dos campus Leste e Butantã em São Paulo. O objetivo é reunir informações que auxiliem na reivindicação de ações para a qualidade de vida, acesso a direitos e serviços públicos de qualidade. 

A análise Pontes e Vivências de Saberes – Censo no Jardim São Remo, Jardim Keralux e Vila Guaraciaba é uma ramificação do projeto de cátedra Democracia, Artes e Saberes, coordenado por Eliana Souza Silva. O estudo, que começou no início deste ano, conta com diversas pessoas. Elas se dividem em setores de coordenação, supervisão de campo, pesquisa e articulação local. Atualmente, o número de participantes é 38, mas pode aumentar. 

Esse acréscimo no número de contribuintes pode acontecer por conta da quantidade extensa de informações a ser reunida, maior do que parecia inicialmente. Foi o que contou Danilo Pereira Sato, doutorando pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e supervisor de campo do projeto. Segundo Danilo, “este censo é diferente de outros, como o do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), por exemplo, porque é bem mais específico”. 

A diferença se dá por alguns motivos. Além do levantamento de informações sociodemográficas que está sendo feito, com as características dos domicílios (condições de moradia, situação fundiária, uso de internet) e dos moradores (condições de saúde, escolaridade, perfil étnico), o censo busca abarcar também a relação dessa população com a USP. Assim, responder questões como “estar perto da USP é bom? Há críticas à Universidade? No que ela pode melhorar?”, explica Danilo. 

Ainda, se diferencia por buscar uma representatividade que nem sempre o IBGE consegue trazer. Dálcio Marinho, coordenador do projeto, explica que “em um contexto de demandas sociais tão acentuadas como o das periferias, é interessante o levantamento de informações para além daquelas observadas no censo oficial do país, de caráter mais geral”.

Também porque, como esclarece ele, o município de São Paulo, por ter uma população grande, possui, nesses censos, informações coletadas com uma fração amostral de 5%. Isso significa que um domicílio é entrevistado a cada vinte. Para Dálcio, em nível geográfico municipal, a amostra apresenta boa precisão, mas no caso de populações menores, a abrangência dessa estimativa se torna pouco representativa. “Para municípios com até 8 mil habitantes, que é o caso das localidades de São Remo e Keralux, a fração amostral do Censo 2010 foi de 33% e, para municípios com menos de 2.500 moradores, que é o caso de Vila Guaraciaba, de 50%”, diz Dálcio, ressaltando a baixa representação contida nessas porcentagens. 

A busca por reunir esses dados possui, ainda, uma questão de representativa política. “É preciso tornar visível no imaginário da cidade um espaço que, em geral, é invisível para as políticas públicas. Um espaço que é marcado pelo paradigma da carência”, critica.

Para Marinho, a comunidade é muitas vezes definida como local de população carente. “Mas carente de que? Todas as zonas da cidade possuem carência. Sociabilidade, por exemplo, é uma carência que a favela não tem, mas um condomínio da área nobre pode ter”, explicita. 

O problema dessa visão sobre as periferias, para Marinho, está principalmente nas consequências que esse pensamento gera. “No limite, essa ‘ausência’ pode representar falta de dignidade, de ética, civilidade. Ausência até de valor para a vida dessas pessoas”. A importância do censo, portanto, está nas informações que traz, tornando visíveis territórios que, em geral, são marcados pelo esquecimento da cidade. “Colher informações e reproduzi-las é a melhor maneira de dar visibilidade para esses espaços, para que não sejam definidos pelo que lhes falta. Romper o paradigma da carência pelo da potência”, salienta Marinho.   

Eliana Souza Silva, coordenadora do projeto, foi quem o idealizou. A pesquisadora carioca é diretora da ONG Redes da Maré, na qual liderou projeto semelhante ao que está sendo realizado em São Paulo. O Censo Maré, gerido por ela, mapeou, nomeou e deu CEP (Código de Endereçamento Postal) às ruas do maior complexo de favelas do Rio de Janeiro, trazendo muitas realizações para o conjunto de periferias.

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