Tratamento odontológico auxilia na melhora de transtornos alimentares

Pacientes que tiveram dentes restaurados apresentaram avanço no quadro e aumento da qualidade de vida

Vômito constante tem impacto na saúde bucal devido a ácido estomacal [Imagem: Intervention.com]

Transtornos alimentares têm raízes psicológicas, mas afetam também o estado físico dos pacientes, o que inclui a saúde bucal. Com isso em mente, Gisele Ebling desenvolveu em seu doutorado na Faculdade de Odontologia da USP (FO) um estudo que teve como objetivo analisar a influência da reabilitação oral na qualidade de vida de pacientes com bulimia e anorexia nervosa purgativa.

Segundo a autora, o tema foi impulsionado pela falta de profissionais dentistas nas equipes multidisciplinares responsáveis pelo tratamento. “Queríamos ver se oferecer essa reabilitação, melhorando essa parte da dor e devolvendo a função e a estética para esses pacientes ajudaria na qualidade de vida. E a melhora na qualidade de vida ajudaria no tratamento do transtorno”, explica ela.

Em conjunto ao estudo de Gisele, a pesquisadora Rosane Gallo analisou também os impactos na musculatura e articulações da face. Ao todo, as duas tentaram contato com mais de 170 pacientes, mas trataram cerca de 20. “No começo foi um pouco complicada a adesão. As pacientes falavam que é difícil confiar, era difícil abordar. Tem muitos artigos que mostram o prejuízo quanto à qualidade bucal e a literatura mostrava que também havia indícios na parte muscular e articular”, conta Rosane, que acompanhou sessões de terapia no Núcleo de Atenção aos Transtornos Alimentares (Proata) do departamento de psiquiatria da Unifesp. “A relação com a comida já é difícil, se o dente tá com dor fica mais difícil ainda e se a pessoa, para mastigar, tem dor muscular aí é que não come mesmo”, afirma.

A bulimia nervosa é caracterizada por um quadro de compulsão alimentar seguido por alguma espécie de compensação, na maioria das vezes por meio do vômito induzido. O paciente come grandes quantidades de alimento em um pequeno espaço de tempo e força o vômito em seguida. Já na anorexia nervosa purgativa, a ingestão é muito pequena, mas também é seguida de purgação. Segundo Rosane, o ácido gerado pelo vômito pode levar a perda do esmalte, parte mais mineralizada e que dá proteção ao dente, e a cáries, além de forçar a musculatura. Mas os problemas podem ser ainda mais abrangentes. “Pode-se ter erosões e úlceras na mucosa, lesões vermelhas, infecções oportunistas, gengivite, alteração das glândulas salivares, entre outros”, complementa Gisele.

O tratamento oferecido na universidade foi sem custos e focou na reparação dos danos bucais. “O cuidado que a gente teve foi tratar dessas estruturas que estavam danificadas: a perda do esmalte e a exposição da dentina. Tivemos que recobrir essa dentina e restaurar as cáries”, conta gisele. O procedimento foi todo feito em resina que, ao contrário da porcelana, dispensa o uso de laboratórios e tem um custo reduzido, agilizando o processo. “Não se vê diferença em relação ao ácido da porcelana para a resina. A qualidade do tratamento não difere. Foi o melhor custo benefício que a gente encontrou para reabilitar”, conclui.

E os resultados mostraram-se positivos. Ao final do tratamento, houve uma queda de 40% nos pacientes que apresentavam o comportamento do vômito autoinduzido, além de uma redução no número de pessoas com sensibilidade de 80% para 50% e uma melhora significativa na frequência de vômitos, que indica o nível de gravidade da doença. “É um conjunto, elas continuavam o tratamento com os psiquiatras e nutricionistas, mas isso ajudou na melhora delas. Tanto na qualidade de vida quanto na melhora da dor e da estética”, explica Gisele. Segundo ela, a conscientização quanto aos impactos do transtorno também foi fundamental para a evolução dos quadros.

Com números tão positivos, a contribuição desses profissionais fica clara. Lesões na mucosa bucal são um dos principais sintomas de transtornos alimentares. Com isso, o dentista é fundamental para sua identificação. “É importante que os profissionais saibam ver essas alterações e reconhecer esses sinais que podem ter uma relação com a purgação”, pondera Gisele. Além disso, o acompanhamento odontológico desses pacientes tem também papel na sua recuperação. “Não é dizer que o tratamento odontológico vai fazer o paciente se curar, mas é uma parte que pode contribuir para a melhora”.

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