Editoras musicais devem contribuir adequadamente para artistas

Em análise de gestão coletiva de direitos autorais, pesquisador da USP ressalta o papel das editoras musicais no novo cenário fonográfico e ressalta deveres dos titulares derivados de direitos patrimoniais

Afim de se aprofundar sobre o papel de editoras musicais como titulares derivadas de direitos autorais de obras musicais, e analisar a gestão coletiva desses direitos, o pesquisador da Faculdade de Direito da USP, Rafael Clementi Cocurutto desenvolveu uma dissertação de mestrado a fim de analisar as características do mercado fonográfico. Na obra, o estudioso ainda abordou as espécies de contratação com as editoras musicais e as peculiaridades presentes no sistema de gestão coletiva de direitos.

A pesquisa de Rafael traz um panorama do papel das editoras musicais ao longo da história: desde a época onde principal meio de difusão da música era através de folhas de partitura — e tais editoras se comportavam como editoras literárias de fato — até os tempos atuais, onde a facilidade de gravação de música através de softwares como Pro Tools e Ableton e a possibilidade de divulgação nas diferentes plataformas de streaming tornaram o papel de tais empresas mais voltado à promoção da música no ambiente virtual e sua inserção em meios que gerem lucro através da arrecadação de direitos coletivos, no Brasil feita pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad).

Esquema de distribuição de direitos autorais (Foto: Zamus sob licença Creative Commons)

Quando uma canção é composta, dois tipos de direitos são gerados: os morais e os patrimoniais. O primeiro tipo não gera ganhos financeiros, porém é inalienável e tem função de resguardar os créditos de quem compôs a obra. O segundo, por outro lado, é transferível e diz respeito aos recebimentos de valores gerados pelo uso econômico da produção. Desse modo, garante-se que um artista, por mais que ceda parte de seus ganhos a uma editora, por exemplo, jamais deixe de ser creditado como mentor e detentor intelectual da produção. O Ecad é responsável por fazer todo o controle e coleta de direitos autorais no Brasil, recebendo por desde execuções de músicas em festas a trilhas sonoras de programas de TV. Uma vez coletado, o dinheiro é repassado para associações de editoras, que posteriormente repassam às editoras em si e, finalmente, ao músico, que cede uma porcentagem dos seus ganhos em trocas dos serviços editoriais.

Rafael destaca que a complexidade da distribuição demanda cuidados, apesar de ser necessária. “O sistema de difusão das obras musicais é totalmente necessário para que haja uma justa retribuição patrimonial dos direitos autorais, mas traço algumas ponderações por se tratar de um sistema privado e que acaba difundindo muito o valor das retribuições. Também ressalto a necessidade da editora ser colocada como uma titular derivada dos direitos autorais”, aponta, lembrando que essa posição traria algumas responsabilidades às editoras, que seriam incumbidas de fiscalizar todo o sistema de gestão coletiva.

Apesar da facilidade cada vez maior de se lançar músicas globalmente, o pesquisador acredita que o papel da editora como divulgadora do produto se mantém, e que o leque cada vez mais variado de possibilidades pode causar confusão a artistas iniciantes. “É complicado não se falar em gestão coletiva por causa da difusão que a obra tem”, lembrou, destacando que muitos artistas, principalmente iniciantes, não têm a visão técnica de conseguir difundir de modo integralmente sozinhos a sua obra; por isso que eles procuram as editoras. “Uma crítica, porém, que fiz em meu trabalho é em relação ao fato de que muitas vezes a cessão dos direitos é feita para uma editora que não faz seu trabalho de divulgação adequadamente. Para o músico, então, se desvincular desse contrato pode ser muito difícil. Assim a obra acaba sendo mal divulgada, mal editada”, pontua. Em sua pesquisa, Rafael ainda cita o exemplo de Roberto Carlos e Zé Ramalho, que cederam o direito patrimonial de suas obras, mas divergiram da estratégia de divulgação do produto optada pela editora. Desse modo, os cantores autorizaram por conta própria a inclusão de suas canções em determinados CDs e DVDs, gerando discussões e embates legais.

Por fim, o especialista aponta que, dada a obrigação laboral que a editora passa a ter a partir do momento que é remunerada com parte dos direitos patrimoniais, é necessário que a empresa aja com competência e disposição na divulgação, podendo o contrato ser até rescindido em caso de má gestão. Prevendo justamente um crescimento da editoração por conta da popularização do streaming, Rafael aponta, então, que é cada vez mais necessário a fiscalização e autorregulação do setor, a fim de evitar desvio de funções. Paralelamente, o Ecad, por ter sido instituído através de normativa estatal, também deve ser passível de fiscalização pública, caso necessário. A sinergia entre as diferentes esferas de atuação, portanto, mostra-se fundamental para o exercício correto da editoração musical.

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