Especialista analisa o surto atual de sarampo

Doença voltou a circular no país em 2018. Baixa adesão à vacina e importação do vírus são as principais causas.

Vacina tríplice viral. (Foto: Divulgação/Prefeitura de Santos)

De acordo com o artigo “A evolução do sarampo no Brasil e a situação atual”, a doença foi uma das principais causas de mortalidade infantil no País. A vacina chegou somente na década de 60, sendo importada por alguns estados. No ano de 1973, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) foi instituído com o intuito de organizar as ações de vacinação. Inicialmente, o foco foi dado a áreas urbanas, que logo foi substituído por uma ação que valorizava os serviços de rotina e expandia os serviços básicos de saúde.

Ainda assim, em 1986, o número de casos totalizou 129.942. A partir de então, as campanhas passaram a ser direcionadas para a população como um todo, porém, a cada dois ou três anos, as epidemias voltavam. Seis anos mais tarde, o governo criou o Plano Nacional de Eliminação do Sarampo que, aos poucos, conseguiu resultados mais consistentes, aumentando a cobertura vacinal.

Desde 2017, o país voltou a registrar casos e, em grande parte, por conta da queda na vacinação. No momento atual, o estado de São Paulo é o epicentro, concentrando 98% dos infectados.

Razões da epidemia

A razão do sarampo ter se propagado é que muitas pessoas ainda não estão vacinadas, principalmente as mais jovens. Como houve uma mudança no Calendário Nacional de Vacinação no ano de 2004 quanto à dose da tríplice viral, muitos ainda acreditam que uma dose apenas é suficiente. No entanto, são necessárias duas para assegurar a prevenção, o que explica a maior incidência na faixa etária dos 20 a 29 anos (10,5 a cada 100 mil habitantes) entre o grupo dos jovens, que justamente nasceram antes dessa mudança.

Vacina é a única forma de prevenção contra o sarampo. No entanto, o número de imunizações no país apresentou queda do último ano para cá. (Foto: Dodgerton Skillhause – Morguelife)

Neste cenário, outros fatores também pesaram: pessoas infectadas entraram no País e a cobertura vacinal caiu significativamente. Para se ter ideia, em 2014, o estado de São Paulo alcançou a imunização de quase 100% do público alvo, já em 2018, caiu para 90%, mesmo a vacina estando prevista no calendário de vacinação. 

A professora Marta Heloisa Lopes do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da FMUSP, responsável pelo Centro de Imunizações do Hospital das Clínicas e chefe do Laboratório de Investigação Médica de Imunologia (LIM 48) esclarece o que há por trás do fenômeno: “o sucesso de uma vacina pode ser também um dos responsáveis pelo seu fracasso. Isto porque a vacinação diminui muito o número de casos da doença e as pessoas passam a não ter mais medo de contraí-la. Com isso se descuidam da vacinação”. Para ela, a ampla divulgação de informações sobre a importância e os benefícios da vacinação pode ser uma forma de convencer as pessoas a se prevenirem. 

Em contrapartida, acredita que o governo não falhou. “A vacinação no Brasil é dada gratuitamente à toda a população. Nosso Programa Nacional de Imunizações (PNI) é considerado um dos melhores do mundo, abrangendo várias vacinas. O diálogo sempre existiu. Ninguém nunca deixou de dizer que o sarampo é uma doença grave e com potencial letal. Mas tínhamos pouquíssimos casos, e as pessoas não se preocupavam muito.”

Enquanto no exterior, o movimento antivacina está sendo o principal responsável pela queda na vacinação, por aqui, Marta Heloisa acredita que há uma hesitação. Por outro lado, ela destaca que o cenário global influencia o que estamos vivendo no Brasil: “em outros países, principalmente nos europeus, o movimento antivacina é responsável pelo aumento do número de casos de sarampo, e, indiretamente, isso nos atinge, porque eles estão exportando o vírus.”

Apesar do cenário preocupante, análises preliminares realizadas pelo Ministério da Saúde indicam que o quadro no Brasil pode estar se estabilizando, permitindo o controle do surto. A chegada das temperaturas mais altas e o crescimento na taxa de vacinação são importantes contribuintes para a concretização dessa possibilidade. 

Medidas para contenção 

Para pôr fim ao surto, campanhas de vacinação serão iniciadas a partir de outubro, de acordo com matéria feita pela Folha. Isso deverá ocorrer, inicialmente, com foco no grupo mais vulnerável e que apresentou maior número de vítimas letais: bebês e crianças. 

Cerca de 1,6 milhão de doses extras da tríplice viral foram destinadas para atender os pequenos entre seis a 11 meses e 29 dias. Desse número, 960.907 foram para estados com situação mais alarmante. São Paulo recebeu 56% delas.

Desde agosto, o Ministério da Saúde passou a recomendar que crianças nessa faixa etária recebessem uma dose extra, que está sendo chamada de “dose zero”, pois não está prevista no calendário de imunização. Vale destacar que, mesmo assim, as doses a serem tomadas aos 12 e 15 meses de idade permanecem sendo necessárias.

Quanto aos menores de seis meses, o governo recomenda evitar locais com aglomerações e optar por aqueles que tenham ventilação. Além disso, lotes de cápsulas de vitamina A serão enviados para o todo o País para serem usados nos casos suspeitos.

De acordo com o secretário de vigilância em saúde do Ministério da Saúde, Wanderson Oliveira, em notícia publicada no site da pasta, está sendo realizado um monitoramento diário tanto do número de requisições para se fazer o exame da doença, quanto dos casos comprovados.

Por outro lado, cabe à população a prevenção. Além dos bebês, crianças e jovens de até 29 anos devem ter tomado as duas doses. Pessoas na faixa etária dos 30 aos 49 anos de idade, uma. Já os sexagenários ou que já passaram da casa dos 60, em sua maioria, não precisam se vacinar, pois já estiveram em contato com o vírus. Não há necessidade de levar a carteira de vacinação. 

Há grupos que a vacina é contraindicada, como gestantes, transplantados, pessoas que estejam passando por quimioterapia ou radioterapia, usuários de corticoides e portadores de HIV com o índice CD4 inferior a 200. Isso ocorre em razão da imunização se dar com a presença do vírus enfraquecido, representando um risco para essas pessoas.

“Se conseguirmos vacinar adequadamente a população, e acho que vamos conseguir, vamos controlar o surto atual. O desafio será mantermos as altas coberturas vacinais quando diminuírem os casos e as pessoas se “esquecerem” que o sarampo pode ser grave e até mesmo fatal”, afirma, Lopes.

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