Ética na experimentação animal demanda união de pesquisadores e veterinários

A junção veterinário-pesquisador gera maior segurança tanto aos animais quanto aos resultados das pesquisas.Imagem: Samantha Prado

Garantir uma conduta ética e humanitária dentro das pesquisas de experimentação animal deveria ser um princípio básico. Pensando nisso, Denise Seabra defendeu na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ – USP) sua tese sobre o refinamento das técnicas de anestesia injetável – tendo hamsters como modelos. Tanto seu estudo quanto sua experiência comprovam a eficácia e importância da união de veterinários e pesquisadores.

O tratamento e a prevenção da dor não são apenas uma obrigação ética, mas também uma necessidade do ponto de vista científico: os dados obtidos podem ser alterados por respostas fisiológicas à dor, prejudicando a pesquisa. “Muitas vezes o pesquisador não quer dar analgésico para o animal por achar que isso irá interferir em seus dados experimentais. Porém, a própria dor desencadeia uma resposta de stress, como aumentar o cortisol e a glicerina no sangue, e isso também deve ser levado em conta”, diz a veterinária.  

É notável, nesses termos, a necessidade do estabelecimento de protocolos anestésicos que proporcionem o máximo possível de bem-estar ao animal, garantindo sua segurança e a integridade dos resultados experimentais. A junção veterinário-pesquisador tornou-se objeto de estudo de Denise através da análise da segurança e da duração de dois protocolos de anestesia injetável em hamsters. 

Ambos os procedimentos foram considerados seguros para os roedores, sem a ocorrência de óbitos. Os dois tratavam da associação clássica (cetamina + xilazina + acepromazina) vinculando-a com um fármaco opióide (protocolo AXCT) ou com um anti-inflamatório não esteroidal (protocolo AXCT). O segundo se sobressaiu como procedimento mais adequado para o caso. É possível observar algumas conclusões da pesquisa abaixo: 

AXCT (opioide) AXCM (anti-inflamatório)
anestesia de menor duração anestesia de maior duração
maior período de recuperação menor período de recuperação
machos com maior tempo para entrar em plano de anestesia e menor período dela machos com maior tempo para entrar em plano de anestesia e menor período dela
níveis de oxidação tecidual expressamente reduzidos em fêmeas  níveis de oxidação tecidual sofrem menores alterações 

Dados retirados da tese de Denise Seabra. Tabela: Samantha Prado

Protocolo sem óbitos  

Após testar os dois protocolos, foi possível observar que aquele que utilizava anti-inflamatório (AXCM) se sobressaiu como mais adequado para o caso. Denise comemora: “um protocolo foi muito melhor do que o outro, mas não tive nenhum óbito e isso é ótimo porque, muitas vezes, os procedimentos tradicionais usam doses altas e perdemos muitos animais com isso.” 

Para fugir de altas dosagens, a veterinária aposta na injeção multimodal, uma técnica pouco apontada nas revisões literárias dos artigos de pesquisa. Sua proposta é utilizar uma associação de fármacos em doses diminutas – o que minimiza os efeitos colaterais, aumentando a segurança do procedimento. “A ideia é aproveitar os benefícios e reduzir os efeitos que podem trazer problemas, como uma depressão respiratória ou hipotermia”, diz ela. 

Denise ressalta que o que chamou sua atenção foram os resultados de sistema respiratório. A utilização do opioide promoveu uma depressão respiratórias muito forte em fêmeas. “Sabíamos que esse era o principal efeito adverso do fármaco, mas porque nas fêmeas? São necessárias novas pesquisas para entender essa discrepância”, conta ela. Também notou-se que os animais que receberam oxigênio enquanto anestesiados, tiveram uma recuperação mais lenta do que os demais – enquanto esperava-se que acontecesse o contrário, o que demanda mais estudos sobre o caso. 

Veterinário e pesquisador: união necessária 

Desde de 2013, a Lei Arouca rege toda pesquisa de experimentação animal, criando o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) e abrindo caminho legislativo para o debate da utilização ética de cobaias. Denise acredita que a discussão em torno do tema tem crescido bastante, apesar de ser mais lento do que gostaria: “a partir do Consea há vários eventos para discutir questões de refinamento de ética, uso de animais em pesquisa e sua substituição. Nós, como veterinários, somos mais cobrados para proporcionar um melhor cuidado.”

Um ponto necessário, agora, é expandir o diálogo com os pesquisadores sobre a importância de um médico veterinário no laboratório. O trabalho do veterinário dentro deste cenário consiste em supervisionar os animais utilizados, averiguando se precisam de algo – não no sentido de fiscalizar o pesquisador, mas sim de auxiliar o andamento de seu estudo. “Viemos para somar na pesquisa, para aprender com eles”, diz Denise. “Muitas vezes, o foco deles não é administrar fármacos ou amenizar a dor da cobaia. Ao não se olhar para isso, reforça-se a importância da presença do veterinário.” 

Ela explica que há muitas maneiras de lidar com as problemáticas de um animal sem interferir nos resultados da pesquisa, como utilizar fármacos específicos que não interfiram no objeto de estudo ou fornecer uma fonte de calor (um colchão térmico). Esse é o tipo de cuidado que promove tanto o bem estar da cobaia quanto a segurança de que os dados experimentais não serão alteradas por respostas de stress. 

Novos passos para melhorar pesquisas 

Quando questionada sobre os discursos anti-testes em animais, Denise admite acreditar que seja algo que nunca será 100% substituído. ”Creio que há muito a ser melhorado e muito a ser reduzido na quantidade de cobaias”, diz ela. Um dos pontos em que a veterinária gostaria de ajudar a otimizar, é o preparo dos pesquisadores que pretendem realizar estudos com animais. “Na Europa, ninguém pega em uma cobaia se não tiver um curso básico e no Brasil isso não é obrigatório. Às vezes, quem está começando o trabalho nunca tocou no animal e fica assustado. Acaba se machucando, machucando o animal e esse é um problema simples de se resolver”. 

Pensando nisso, Denise e a equipe de veterinários com quem trabalha nos biotérios da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) estão desenvolvendo um curso básico para pesquisadores. “Ainda estamos estudando como aplicar. Envolve administração de substâncias e demais ações básicas para lidar com sua cobaia. Vamos tentar fazer isso no sentido de mostrar uma parceria, apresentar que ao juntar um veterinário e um pesquisador, será o melhor possível tanto para pesquisa quanto para o animal”. 

Para além disso, Denise também aposta em novos estudos sobre a conduta humanitária enquanto base de pesquisas científicas – como o seu. “Acredito que seja apenas o começo. Com esse trabalho vimos o quanto ainda é possível se fazer. Às vezes são coisas que parecem detalhes e no final fazem muita diferença”, conclui.

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