Ausência do Estado e de investigações ocasionam as chamadas máfias da floresta

Professora de Direito da USP fala sobre relatório de ONG, no qual consta que o Brasil julgou somente 14 dos 300 assassinatos de ambientalistas na última década

Ausência do Estado e de investigações ocasionam as chamadas máfias da floresta
Placa cravada de tiros em árvore perto do local do assassinato da irmã Dorothy Stang em Anapu, no Pará Fonte: Reuters

A organização não-governamental Human Rights Watch é uma das responsáveis por defender os direitos humanos e destacar o trabalho de pessoas que se empenham na preservação da fauna e flora brasileiras. Porém, segundo a advogada e professora de Direito da USP, Helena Regina Lobo da Costa, os sucessivos casos de homicídios não solucionados na Amazônia não conseguem ser supridos apenas por organizações e, assim, ela constata que há uma ausência de ação do Estado e de processos investigativos.

O recente relatório publicado pela ONG apontou que, dos 300 ambientalistas e defensores da Amazônia assassinados na última década no Brasil, apenas 14 tiveram seus casos julgados. Intitulado “As Máfias da Floresta Tropical”, o documento foi divulgado pelo jornal El País no dia 17 de setembro de 2019. Com isso, a professora concordou em dar entrevista para a Agência Universitária de Notícias comentando sobre esses dados.

Até onde vai a visibilidade e justiça das minorias

Quando se trata de partes normativas brasileiras, já existem todos os instrumentos necessários: determinações constitucionais que remetem aos direitos fundamentais, questões ambientais e legislação para criminalizar condutas como estas, além de determinações específicas para áreas indígenas. Para Helena, a visibilidade e acesso à justiça desses ambientalistas, que ainda não tiveram a chance de ir a julgamento, dependem mais da concretização desses conceitos, do que de um novo processo normativo.

Por outro lado, o importante é que a imprensa teve uma atuação pontual. Os poucos casos que conseguiram obter algum avanço investigativo foram decorrentes de reportagens constantes feitas por jornais e de contarem com uma atenção especial da mídia. Contudo, o acesso à justiça ainda depende de muitos fatores, não somente da mídia, mas também do Ministério Público ou da Defensoria Pública. “Esse acesso irá depender de uma mudança de postura do Estado, no sentido de estabelecer esses casos como relevantes e prioritários, assim como estabelecer uma estratégia de atuação com relação a eles.”

A postura do governo sobre dados divulgados

Se tratando dos dados apurados, Helena acredita que a Human Rights Watch, juntamente com a Pastoral da Terra, acabou por fazer todo o trabalho de apuração e refinamento de dados e estatísticas. Esses dados, segundo ela, seriam de responsabilidade do Estado, uma vez que representam a primeira etapa do processo de investigação, que tem sido encarados como argumentos de opositores, não como o problema que realmente representam. “Quando eu não conheço o que está acontecendo e não tenho noção da proporção do meu problema, obviamente não é possível pensar em uma solução.” 

A partir dos dados, é possível estabelecer ações preventivas no campo da segurança, tanto na segurança pública, como na efetivação do programa de proteção aos defensores dos direitos humanos. Como o próprio relatório cita, ele já existe, porém se mostra insuficiente uma vez que não foi adequadamente efetivado. Ações no campo defensivo também podem ser tomadas: uma vez que esses casos aconteceram, é preciso buscar a melhoria das provas, testemunhas que ainda não foram ouvidas e perícias que ainda podem ser feitas, afirma Helena. “Não vai adiantar persistir em questionar esses dados, apesar de terem imprecisões, o fato é que o que eles retratam é a realidade desse assunto em nosso País.”

Ambientalistas que ainda não tiveram seus casos julgados

Em primeiro lugar, ressalta a professora, é preciso verificar se esses episódios ainda são passíveis de serem trazidos à Justiça. “Se esses casos ainda não estão prescritos, e a prescrição de homicídio doloso pode ser bem ampla, é preciso conferir a questão da prova”. O melhor caminho para solucionar essas investigações, para Helena, seria a criação de mutirões de atuação, que compreendem a polícia e o Ministério Público, também contando com a possibilidade de federalização de todos os casos. 

De acordo a professora, todos os casos de homicídio devem ser adequadamente investigados, diante da presença de elementos e encaminhados para serem ouvidos perante um juiz. Os mecanismos para fazer com que sejam solucionados já existem, dependendo de uma questão de operacionalização. “No tocante a violações tão graves quanto as representadas pelo homicídio, ataque ao bem jurídico mais importante que é a vida, nós devemos sim ter a exigência de uma justiça para todos.”

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