Uso da maconha na gravidez compromete o crescimento e a saúde do feto

Estudo na USP relaciona aumento da placenta com desfechos gestacionais negativos

Pesquisa utiliza camundongos para mimetizar uso humano da maconha em técnica inovadora. Imagem: Samantha Prado.

A maconha é a droga ilícita mais utilizada entre gestantes, embora cada vez mais pesquisas apontem desfechos gestacionais negativos associados ao seu uso: é o caso da dissertação do pesquisador da Universidade de São Paulo, Iran Augusto Neves da Silva. Feito na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), o estudo analisou os efeitos à exposição da cannabis sativa na placenta. Através da simulação das condições humanas em camundongos, foi comprovado que a substância, mesmo em baixas doses, pode provocar alterações na estrutura do órgão, comprometendo o crescimento e a saúde do feto. 

O mestrado de Iran faz parte de um estudo que pretende mapear os efeitos do uso de cannabis durante a gestação. Na pesquisa, ele investiga as consequências placentárias em diferentes órgãos. Entres as principais conclusões negativas encontradas até o momento estão: cérebros menores com desfechos comportamentais inferiores (psicose, problemas de aprendizado e dificuldade de memória), corações com musculatura mais fraca e placentas maiores – como forma do órgão compensar a falta de oxigênio. O aumento placentário ocasiona fetos menores, aumenta as chances de aborto e, em alguns casos, malformações.

Esses resultados batem com aqueles publicados pelo Jornal da Associação Médica Americana (Jama), em junho de 2019, no qual foram avaliadas canadenses, usuárias ou não de maconha durante a gestação, que tiveram partos prematuros. Algumas conclusões dessa pesquisa estão relatadas na tabela abaixo. 

Maconha na gravidez aumentou o número de partos prematuros: 10,2% entre as fumantes contra 7,2% entre as que não fumaram
O número de casos de descolamento prematuro de placenta aumentou de 4% no grupo controle, para 6,1% no grupo das que fumaram
Dos bebês nascidos no grupo controle, 13,8% precisaram de internação em UTIs logo após o parto. No grupo das que fumaram durante a gestação, foram 19,3%
Bebês de mulheres que usaram maconha na gestação apresentaram índices de adaptação à vida extrauterina, medidos 5 minutos depois do parto (Apgar), 28% mais baixo

Dados contidos no Ontario Better Outcomes Registry & Network em estudo publicado no Journal of the American Medical Association (Jama). Tabela: Samantha Prado.

Um grande diferencial do estudo realizado na USP é que, enquanto pesquisas anteriores extraíam da maconha o Tetra-hidrocanabinol (TCH), princípio ativo da erva, o grupo fez com que os camundongos a inalassem, mimetizando ao máximo as condições humanas.

Criminalização a favor da desinformação 

A associação entre maconha e gravidez ainda é um assunto bastante nebuloso no Brasil, uma vez que sua criminalização prejudica tanto a difusão de informação quanto a obtenção de dados concretos sobre o número de usuárias nessas condições. Ainda assim, o aumento do fumo da cannabis entre gestantes vem sendo documentado em vários países, chegando a duplicar nos EUA, entre 2002 e 2017, segundo o mesmo estudo publicado pelo Jama. 

Iran aponta que uma das causas desse quadro é devido aos discursos que colocam a maconha como uma substância natural e não problemática. “Existe uma grande incidência de mulheres, principalmente no Brasil e nos Estados Unidos, que fumam maconha com intenção de diminuir os enjoos gestacionais. Elas evitam tomar remédio mas recorrem ao consumo da cannabis por conta da crença de ser uma substância natural”, diz ele. 

O pesquisador acredita que a criminalização e a ausência de um posicionamento das políticas públicas alimentem a falta de informação que leva mulheres a confiarem no pouco que se fala sobre a cannabis. “Quanto mais evita-se falar sobre o tema, mais desinformação é gerada. Isso é ainda pior nas regiões periféricas que, com menor acesso à informação, passam a aceitar o senso comum”, explica. 

Sobre o argumento da maconha ser natural, Iran faz dois apontamentos. O primeiro é que, no Brasil, ela não é pura, mas prensada. “Pegávamos a droga de apreensão da polícia federal e ela vinha em blocos onde tinham até pedaços de absorvente dentro. A maioria da maconha é lavada com amônia para manter um aspecto novo quando, na realidade, já é velha e tem um princípio ativo mais baixo”, conta ele. Isso o leva a acreditar que uma maconha de fato pura, com um princípio ativo alto, seja ainda mais danosa à gravidez. 

O segundo ponto é que mesmo coisas naturais podem ser perigosas durante a gestação. Ele dá o exemplo dos chás: diversos deles não são indicados para grávidas. “Idealmente, essas mulheres só poderiam tomar chá de camomila, que é mais seguro. Isso nos faz pensar: se apenas beber chás com um pouco de plantas pode ser perigoso, será que fumar maconha não pode ser algo problemático?”

Placenta: a modeladora da vida humana 

A placenta tem papel central no crescimento fetal, permitindo a interação entre mãe e feto com propósito de promover o bem-estar de ambos. Iran diz que, apesar de sua preciosidade, ela não recebe a devida importância em razão de seu caráter transitório: “todos precisamos passar pela placenta, mesmo sendo um órgão de transição. Durante o período gestacional, ela é todos os seus órgãos principais trabalhando para que você possa se desenvolver. Ela programa tudo o que vai acontecer na sua vida pós-natal. Seu correto funcionamento é importantíssimo”. 

A pesquisa dividiu fêmeas gestantes de camundongos em dois grupos: um exposto à queima da cannabis sativa diariamente (mimetizando o uso por humanos) e outro não. Os resultados demonstraram que, apesar do órgão funcionar como uma barreira de proteção para o feto, muitas substâncias tóxicas conseguem transpor a placenta ou se acumulam no tecido, induzindo alterações morfológicas e funcionais. Dentre elas, podem ser citadas: aumento do volume total da placenta, aumento do volume total dos capilares fetais e diminuição da espessura da barreira inter-hemal. 

Essas modificações têm como consequência o aumento da capacidade de difusão do O2 e estão diretamente ligadas com a redução do peso fetal. “O crescimento da placenta é um mecanismo compensatório para falta de oxigênio causada pela queima do cigarro. Ela aumenta para tentar mandar oxigênio suficiente para o bebê, o que gera fetos menores e de baixo peso ao nascer. Em alguns casos aumenta chances de má formação e aborto”, explica Iran. 

Gráfico com a diferença entre o peso da placenta de camundongos expostos e não expostos à cannabis. Imagem: Iran Augusto Neves da Silva.

Por fim, o pesquisador revela que, entre as perspectivas futuras do estudo, estão a utilização da droga in natura (plantada e não prensada) e a elaboração de um novo protocolo a fim de elucidar dúvidas pendentes, abrindo caminho para novas perguntas e melhores estratégias de compreensão dos efeitos gestacionais do uso da Cannabis. “Acreditamos que com mais tempo e com novos experimentos especializados, podemos trazer mais respostas e informações para sociedade”, conclui ele.

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