Diretrizes da Unesco divergem da realidade cultural

Com objetivo de estabelecer igualdade nas produções, o órgão enfatiza a arte como prática de desenvolvimento dos países

Atuação da Unesco no fomento à cultura mundial (Imagem: Sofia Aguiar)

O conceito de identidade nacional é visto pela postura cultural e comportamental de um país à âmbito mundial, mas o termo reduz a diversidade e tendências econômicas. A análise das relações de poder expressas e a conduta normativa da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), criada em 1945, tornou-se então o objeto de estudo da tese Civilização, Diversidade, Desenvolvimento: a Unesco e As Dimensões da Cultura – Bens, Serviços e Conteúdos Culturais, de Flavio Soares de Barros.

A tese é dividida em três partes e comenta sobre a classificação da cultura antes, logo após a criação da Unesco e a atuação do órgão na atualidade. Barros explica que, no início do século 20, o eurocentrismo imperava como cultura dominante e, após 1945, com a criação da Unesco, o discurso de descolonização faz com que países da América, Ásia e África busquem também o status de arte como criação internacional. A arte torna-se profissionalizante e desenvolve-se sob um viés econômico. Segundo Barros, há a transição do “discurso idealista, de arte como atividade sem finalidade prática e passa a atender a essa necessidade dos países se desenvolverem em viés econômico e visão crítica como fator produtivo com benefícios sociais.”

Ministérios e secretarias de cultura

Barros classifica que a Unesco surgiu como mecanismo de igualdade e transformou o termo “igualdade excludente”. Até aquele momento, a igualdade era compreendida como superficial homogeneidade entre as culturas, mas com exclusão de produções não europeias. O órgão trouxe visibilidade às diferenças e construiu um patrimônio universal com força produtiva economicamente. 

“O discurso da Unesco foi importante para implantar políticas públicas nos países. Ao estabelecer igualdade entre manifestações culturais, a formação de políticas nos Ministérios da Cultura dos países reproduz esse discurso da ONU, que pode ter efeito cumulativo ao longo do tempo”, comenta Barros. O estabelecimento de Ministérios nos países tem a função de divulgar as próprias produções e normatizar a circulação de bens e serviços de conteúdo culturais e proteção de direitos do autor. Além disso, segundo o autor, o papel de conservação de patrimônios artísticos ganha importância econômica no turismo e venda.

Países têm a função de divulgar a própria cultura, mas aspectos econômicos ainda são diferenciais. “Há um confronto, quase um conflito, entre a visão acadêmica e teórica de igualdade. As falas passam a existir em contraposição a outro”, comenta o autor, e complementa: “O discurso da diversidade e não hierarquização entre as culturas convive com o discurso do poderio econômico”.

Barros traz o exemplo do alcance do cinema americano, que a associação e investimento de produtores interfere diretamente no mercado interno dos outros países. “Ao mesmo tempo que permite uma produção cultural carregada de valores universais, há o poder econômico interferindo nessa linha de circulação.”

O autor admite que o discurso da Unesco é importante, mas não como explicação da realidade. “Embora na realidade exista uma hierarquização cultural, em que alguns serviços culturais são mais valorizados que outro, o discurso enfatiza a percepção da produção artística e cultural dos países.”

Conservação de patrimônios

O investimento e atribuição ao órgão é subjetivo de cada nação, e é apenas exigido que normas sejam cumpridas àqueles que aderem ao tratado, não a todos os signatários. No entanto, Barros comenta que a Unesco não tem elementos de coerção para obrigar as nações a seguirem as diretrizes. “O órgão pode elaborar documentos e fazer críticas, mas só. Ao mesmo tempo, à medida que essas diretrizes existem, isso forma quase que uma regra moral a ser seguida.”

No entanto, o estabelecimento dessa “regra moral”, nas palavras de Barros, permite flexibilidade nas ações políticas nacionais. Como exemplo, tem-se o Museu Nacional e da Língua Portuguesa, ambos alvos de incêndio pela falta de manutenção da estrutura, que permanecem fechados sem previsão de abertura. 

Barros declara que tais posturas são vistas como “descaso dos governos nacionais porque existe a questão orçamentária. Países que convivem com recursos escassos e atribuições, e deveres estabelecidos em leis à cultura, como preservação e fomento à produção cultural, acabam sendo prejudicados.” O autor ainda comenta que os discursos de cultura e bens previstos de conteúdo culturais caminham em passos diferentes em determinadas áreas. “Percebe-se um prejuízo econômico porque muitas pessoas frequentam regiões por causa das atrações”, declara. 

Para fomento ao fluxo comercial, o autor comenta sobre a importância de entrar em contato com manifestações culturais de outros países. “A Unesco também tem como função criar diretrizes que vão estruturar instrumentos legais que os países serão obrigados a seguir. Mas não no âmbito da própria Unesco, mas de outras instâncias, como comércio e tratados bilaterais”, declara Barros, e complementa: “Quase todos os tratados tem capítulos sobre cultura e produção artística”.

Para o pesquisador, enquanto os países não perceberem a instrumentalização da oferta de bens de serviço e conteúdo culturais, eles serão deixados de lado. “Mas percebemos uma mudança no sentido de atribuir valor, não sendo apenas enquanto objeto de contemplação e elevação espiritual, mas como algo que pode gerar recursos e renda à população.”

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*