Estudo mostra como roedores subterrâneos controlam seu ritmo biológico

Resultados revelam como os ciclos de atividade dos tuco-tucos funcionam

Tuco-tuco em seu habitat natural (Imagem: Patrícia Tachinardi)

Ao analisar o ritmo de sono e vigília dos seres humanos, verifica-se que o relógio biológico das pessoas interpreta os horários do dia em que há luz solar como a fase em que o organismo está acordado, em atividade, e a noite é interpretada como a fase do sono e do repouso.

No entanto, ao verificar a existência e manifestação de um relógio biológico em outras espécies, nesse caso, nos tuco-tucos, percebe-se que esse mecanismo corporal varia de acordo com o ser vivo. Pelo fato desses roedores serem animais subterrâneos, essa questão suscita ainda mais dúvidas.

Influência do ambiente na vida dos roedores

A pergunta central que norteou o trabalho da doutoranda Milene Jannetti, do Instituto de Biociências da USP, foi a seguinte: será que os animais estão simplesmente evitando condições adversas (temperaturas quentes) ou estão expressando um comportamento que é controlado internamente, pelo relógio biológico? 

A hipótese do estudo está relacionada à cronobiologia, área que estuda a relação dos organismos com o tempo. No caso dos mamíferos, percebe-se a incidência de um relógio biológico interno, o qual configura-se como uma estrutura cerebral que dita ao corpo se deveria estar acordado ou dormindo. No entanto, na situação dos tuco-tucos, surge a dúvida em relação à necessidade de um instrumento corporal que dite seu ritmo de atividade, dado o fato de que seu ambiente não é interferido pela luz solar.

Seguindo esse questionamento, o Laboratório Binacional Argentina-Brasil de Cronobiologia do IB-USP busca analisar de que forma uma espécie de roedor que vive no subsolo percebe a alternância dos dias, e se ele possui esse mecanismo interno que regula sua atividade. O animal selecionado para o estudo de verificação da ocorrência do relógio biológico foi o tuco-tuco, espécie de roedor subterrâneo endêmico do Deserto do Monte, localizado na Argentina.

Definido o objeto de estudo, o desafio tomado por Milene foi entender e analisar, em estudos de campo e experimentos em laboratório, como os tuco-tucos reagiam às mudanças da temperatura do ambiente ao longo das estações do ano.

Da mesma forma, as condições de vida encontradas no subterrâneo seriam mais constantes. Apesar das dificuldades de realizar uma análise do comportamento de um animal que vive no subsolo, o Laboratório do IB-USP ao qual Milene é filiada trata de investigar se existe um ritmo de atividade e se esse ritmo seria diurno ou noturno.

Os resultados das experimentações promoveram dados diferentes relacionados à atividade de cada animal, porém, uma comprovação conquistada pelo Laboratório Binacional Argentina-Brasil de Cronobiologia e sustentada por essa situação foi de que mesmo sem nenhum indício ambiental que os dias estão passando, verifica-se a existência de um relógio circadiano que dita o ritmo de atividade dos tuco-tucos.

Meios de estudo dos roedores

Buscando entender os motivos que levam os tuco-tucos a mudar seu comportamento, a pesquisadora analisa a influência de condições adversas, como as altas temperaturas ou se essas mudanças estão ligadas a um controle interno feito por um relógio biológico. Além disso, surgem questões relacionadas à mudança do padrão de atividades dos roedores ligada a alternância das estações.

Diante dessas dúvidas, o trabalho consiste em encontrar meios de entender o comportamento e atividade dos tuco-tucos, porém, existe uma problemática que envolve a captura desses animais. Milene salienta o grande trabalho que envolve os registros de campo: “trabalhar com animais subterrâneos e silvestres é um grande desafio, o trabalho de campo com eles é difícil, há um número de amostras normalmente pequeno e temos que garantir que o colar fique bem preso, para que os dados sejam recuperados depois”. 

A alternativa encontrada para registrar a rotina dos roedores foi a instalação de uma espécie de coleira presa em cada tuco-tuco. Esse instrumento, em um primeiro momento, possuía apenas um luxímetro, utilizado para coletar dados que mostrassem quando e por quanto tempo os animais ficam expostos à luz solar. Posteriormente, foi aderido à coleira um acelerômetro, responsável por medir e informar à doutoranda quando esses roedores estão em atividade, seja na superfície ou no subterrâneo.

Ou seja, Milene tenta assegurar que as informações que forem armazenadas no acelerômetro e no luxímetro sejam conseguidas após a recaptura dos animais nos estudos de campo.

Coleira com acelerômetro e luxímetro fixados (Imagem: Milene Jannetti)

Experimentos de análise dos tuco-tucos

Devido à possibilidade dos tuco-tucos fugirem do alcance dos pesquisadores, caso fossem analisados em campo aberto, sem equipamentos que monitorem sua localização, a solução encontrada foi a delimitação da área que os tuco-tucos poderiam percorrer e instalarem-se. Essa área é referida nos estudos do grupo como “arena”.

Como esses animais habitam o subterrâneo, além de delimitar essas áreas com alambrado na superfície, em medidas de 10m por 5m, ou 12m por 6m, foi necessária a construção de paredes concretadas no subsolo que impedissem que os animais fugissem por baixo da terra.

Havia um grande cuidado para não interferir de forma grave no abastecimento de vegetação nos espaços demarcados, uma vez que essa é a única fonte de alimento dos tuco-tucos, que se caracterizam por serem animais herbívoros.

Arenas usadas para delimitar a área de atividade dos roedores e facilitar sua recaptura para coleta de dados (Imagem: Milene Jannetti)

Conclusão dos experimentos

Os experimentos surtiram resultados após um período de análises, e passaram a indicar para a pesquisa de Milene que os tuco-tucos variavam seus ritmos de atividade e suas saídas à superfície de acordo as estações e a passagem do ano. No verão, os roedores alinhavam suas idas à superfície com os crepúsculos, horários próximos ao amanhecer e anoitecer. Por outro lado, ao longo da passagem dos meses, conforme se aproxima o inverno, essas saídas à superfície vão aproximando-se do meio-dia.

Com base em outras hipóteses biológicas, os resultados para o verão poderiam indicar que as saídas dos tuco-tucos estavam diretamente relacionadas a evitar as altas temperaturas do meio-dia. Porém, nas análises feitas por Milene, os dados não indicavam essa incidência. Na realidade, os estudos da doutoranda mostravam que “no inverno, os tuco-tucos saem porque o subsolo está muito frio. Então, mudou-se o modo de pensar a atividade dos tuco-tucos, verificou-se que eles modulam suas atividades por condições do subterrâneo, e não da superfície”.

A partir dessa conclusão, a pesquisa de Milene passou por uma alteração de ponto de vista, mudando sua análise para a alteração no comportamento dos roedores a partir das condições do subsolo e não do ambiente exterior.

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