Grão de pólen mostra frio e úmido nordeste brasileiro da era do gelo

Cientistas da USP revisam pesquisas sobre araucárias fossilizadas para estudar a evolução do clima da Terra

Imagem: Correio do Povo / Intervenção: Pedro Teixeira

“O clima é um ciclo que tem se repetido a cada período de 140 mil anos”, diz Jorge Pinaya, pesquisador da Escola Politécnica (Poli). Há quatro anos, pesquisador se dedica à descrição da ecologia brasileira ao longo do tempo por meio do estudo de grãos de pólen fossilizados — a palinologia. Um dos resultados é a revisão bibliográfica dos 81 artigos da área sobre o Brasil, publicado na Nature nesta sexta (29), confirmando especulações sobre o ambiente frio e úmido de cerca de 16 mil anos atrás.

O ensaio passa por todo o território nacional, e conta com a participação do Instituto de Geociências (IGc), do Instituto de Astronomia e Geofísica (IAG) e do Instituto de Biociências (IB), todos da USP. O professor Paulo Eduardo Oliveira, do IGc, explica que rever os registros dos pólens revela o avanço da floresta das araucárias das, hoje, região sul e sudeste até as atuais caatinga e floresta amazônica, atravessando o cerrado.

Esse fenômeno só foi possível graças ao que os geólogos chamam de evento HS1, em homenagem à Heinrich Stadial. Ele traçou uma teoria das mudanças climáticas ao longo da última era glacial analisando o descongelamento de icebergs. Assim, o período entre 16 mil e 17,5 mil de anos atrás foi caracterizado pela grande massa de sólidos de água. A pesquisa de Pinaya consolida esse conhecimento por validação estatística.

A partir das modelagens numéricas feitas por Pinaya, com o auxílio do meteorologista Augusto José Pereira Filho do IAG, foi possível indicar temperatura e precipitação de diversos períodos. A organização dessas informações permite identificar o padrão de repetição do clima, a cada 140 mil anos. Agora, o pesquisador se empenha em adicionar a ação do homem, via emissão de gases do efeito estufa e desmatamento, à equação.

Além da confirmação, atualmente o ensaio abre margem para estudar a ecologia e a distribuição da Grande Floresta de Araucárias. “O fenômeno, provavelmente, ocorre ao contrário. Com o aumento da amplitude térmica no território brasileiro, a vegetação montana está se limitando às grandes altitudes”, conta Oliveira.

“A análise estatística da distribuição atual revela a capacidade de resposta das espécies, mas ainda estamos entendendo como elas se comportaram em eventos semelhantes no passado”, detalha o pesquisador da Poli, antecipando desdobramentos de seus estudos.

A viagem das araucárias

Descontando as áreas desmatadas, as florestas montanas hoje encontram seu limite na latitude 18 sul — região da Serra do Espinhaço, Minas Gerais. Fora que aparece tão ao norte apenas em razão das elevadas altitudes. Nesse ponto, são cercadas pelo cerrado comum do centro do Brasil. Essa vegetação é adaptada a temperaturas que variam de 0 a 25 graus celsius.

O período descrito pelo trabalho feito por Pinaya, Oliveira e demais cientistas, abarca um período em plena era glacial. Em um recorte mais específico, um intervalo de intensa glaciação como o evento HS1. “Esse resfriamento do clima brasileiro foi o que permitiu que as sementes de araucárias brotassem no que atualmente é caatinga”, esclarece o professor do IGc.

Dos 81 artigos sobre os pólens fossilizados, 31 se encaixam no período do evento HS1. Aprofundando-se neles, fora traçar a rota migratória, foi possível obter dicas importantes sobre a evolução dos gêneros e famílias de florestas montanas analisados. Essa parte do estudo ficou sob responsabilidade do professor Gregório Cardoso Tápias Ceccantini, do IB, que analisou a fisiologia dos grãos de pólen e suas consequências anatômicas nos pinheiros.

Umidade e clima frio permitiram migração das araucárias, impossível hoje. Imagem: Wiley

História das florestas brasileiras

A revisão bibliográfica, nascida do encontro entre Pinaya e Oliveira, abrange os últimos 30 mil anos. Por isso, os ensaios também revelam peculiaridades das florestas montanas em vários pontos do Brasil. Uma delas foi descrita no ensaio sobre a adaptação dos pinheiros na região da Serra da Mantiqueira, Minas Gerais. Especificamente, em um ponto que é Cerrado, hoje.

Análises sedimentares acerca de 90 mil anos de amostras foram organizadas. Diversas espécies típicas do cerrado foram encontradas, mas também vários vestígios característicos de plantas semi-caducifólias — as araucárias. Cientistas esperavam espécies de transição entre floresta montana e savana. Porém, ao detalhar o estudo, encontraram gêneros restritos à vegetação das montanhas.

Outra orientação de Paulo Eduardo de Oliveira também mostrou como as florestas Amazônicas e Atlântica se encontraram em certos períodos da era glacial. As pesquisas fazem parte do Programa Biota, um projeto temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), coordenado por Oliveira.

Pinaya ressalta os desafios da pesquisa, na amplitude da bibliografia abordada, mas principalmente na organização das várias viagens de campo que foram necessárias.

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