Processo de impeachment de Trump desgasta imagem republicana

Donald Trump é o 4º presidente dos EUA a enfrentar um processo de impeachment. [Foto: Gage Skidmore]

Por Caroline Aragaki, Gabrielle Torquato, Laura Alegre e Letícia Camargo

A audiência do inquérito que pode levar à abertura do processo de impeachment do presidente Donald Trump acontece nesta semana, dia 4 de dezembro. O apoio a essa investigação já soma maioria da população norte-americana, com 58% favoráveis e 38% contra, indica levantamento do jornal The Washington Post em parceria com a Schar School.

Da mesma estatística, 49% apoiam a remoção de Trump, o que denota certa queda na imagem do atual chefe de governo. “A questão é saber se esse desgaste vai ser o suficiente para fazê-lo perder a eleição, ou se não vai ser forte o bastante e ele conseguirá se reeleger no ano que vem”, afirma o cientista político Maurício Fronzaglia, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que enfatiza: “a questão toda são as eleições de 2020”.

Para ele, a política parece reviver uma estratégia de mais de 20 anos, utilizada pelo partido Republicano contra o democrata Bill Clinton, mas de maneira inversa. Dessa vez, é o partido Democrata que tenta abalar a confiança eleitoral de um presidente republicano. Tal análise apresenta o embasamento de que é muito difícil o impeachment acontecer, porque há uma maioria republicana no Senado que pode barrar o processo.

“Muitas pessoas acham que Trump não será condenado nessa instância porque a economia vai bem a curto prazo”, detalhou o professor Carlos Eduardo Lins da Silva, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e membro do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (GACnt) da USP.

“No caso Clinton, o partido Republicano sabia que o processo seria derrubado no Senado com grande número de democratas, mas resolveram entrar com o recurso numa tentativa de abalar a recandidatura”, afirmou o cientista político Fronzaglia. Bill Clinton passou por um processo de impeachment nos anos 90, depois de ter mentido em declaração oficial ao afirmar que não teve envolvimento com uma estagiária da Casa Branca, que na época tinha 22 anos.

Caso o impeachment do Trump ocorra, Lins da Silva aponta que as consequências serão sentidas em todas as negociações, inclusive as comerciais com a China, “tudo dependerá do que o novo presidente resolver fazer”.  Diferentemente, Fronzaglia acredita não haverá grande mudança política, visto que o cargo seria assumido pelo vice-presidente Mike Pence, que precisa ainda cumprir a diretriz definida pelo próprio partido Republicano.

Caso o processo não ocorra, “é muito difícil que Trump venha a perder a eleição”, opina o professor do Mackenzie. Isso porque, na história dos Estados Unidos, poucos presidentes sofrem derrota ao disputar reeleição. Nos últimos 40 anos, tiveram apenas dois casos: o George W. Bush (pai) perde a eleição para Bill Clinton em 1988, e o Jimmy Carter perde para Ronald Reagan em 1976. Ambos com razões específicas: o primeiro por conta da baixa economia, e o segundo pela crise internacional com o Irã.

Quanto a processos de impeachment, além dos mais recentes Trump e Clinton, ocorreram mais dois. O primeiro, de Andrew Johnson, data do século XIX (1867) em meio às pressões da guerra civil americana; por apenas um voto, na tramitação final do julgamento, o então presidente foi livrado da destituição.

O segundo, de Richard Nixon, está atrelado ao caso Watergate, em que dois jornalistas descobriram que o presidente tentou montar uma rede para espionar os adversários democratas, e evitar com que eles tivessem vantagem na eleição. “Há certa semelhança se olharmos para o lado de investigar adversários e polarização política, que estava acentuada sobretudo com a Guerra do Vietña”, analisa Fronzaglia. Pressionado, Nixon renuncia antes do processo terminar. 

Os Estados Unidos tiveram 45 presidentes, dentre eles 19 republicanos e 14 democratas. Para o cientista político, o dado aponta um equilíbrio de forças com leve predominância republicana. “Se a gente olhar depois da 2ª Guerra Mundial, há certo movimento pendular dos anos 60 para cá: republicano, democrata, republicano, democrata”, observa.

Desde 1993, republicanos e democratas revezam o cargo da presidência. [Infográfico: Gabrielle Torquato]

A polarização do país entre os partidos Democrata e Republicano não é algo atrelado a um bipartidarismo explícito na Constituição, mas tem raízes históricas do século XIX e desde então são os principais a terem abrangência nacional.

No entanto, a configuração ideológica dos partidos nem sempre foi da maneira conhecida. O partido Republicano, considerado conservador, era tido como progressista na época; e o Democrata, que hoje é visto como defensor das minorias e inclusive foi berço do primeiro presidente negro dos Estados Unidos, era o que defendia a escravidão. “A virada dos democratas se tornarem mais progressistas e colocarem os republicanos em uma ala mais conservadora se deu a partir da entrada dos Kennedys no partido Democrata e com a eleição do John Kennedy à presidência dos anos 1960, no partido Democrata”, pontua Fronzaglia.

De acordo com o cientista político, “a questão ideológica é importante para manter o eleitorado, mas na maior parte das vezes o que pesa mais na decisão é o lado econômico, medido pelo nível de crescimento e o índice de desemprego”. Ele afirma que cerca de 40% do eleitorado se identifica com republicanos, enquanto 40% é mais democrata – o que muda são os 20% que ora vai de um lado, ora vai para o outro.

Da denúncia ao trâmite

O processo para investigar a possibilidade de impeachment do presidente Trump começou em setembro, a partir de uma denúncia anônima feita por um agente da inteligência americana que ouvia a conversa, como parte do procedimento padrão. Atualmente, é liderado pela presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, Nancy Pelosi.

A causa do processo foi o apontamento de irregularidades em um telefonema que Trump fez em julho ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. Na época, o país do leste europeu esperava pela aprovação de um pacote de ajuda militar dos EUA, cujo valor foi retido.

No telefonema, Trump teria pedido para que Zelensky o ajudasse a investigar o filho do principal candidato da oposição para as eleições de 2020, Joe Biden. Quando o democrata era vice-presidente dos Estados Unidos, no governo de Barack Obama, seu filho Hunter Biden era conselheiro da empresa de gás ucraniana Burisma.

A Casa Branca divulgou um documento com a transcrição da conversa dos dois chefes de Estado, o que tem fundamentado a discussão sobre o impeachment. Com isso, o inquérito indica abuso de poder por parte de Trump, que teria pressionado a Ucrânia com as investigações que poderiam beneficiá-lo politicamente.

Antigos funcionários da atual administração testemunharam dizendo que entenderam que a ajuda só seria liberada com a condição de que a Ucrânia anunciasse a abertura das investigações contra Biden. Fontes próximas disseram que o presidente dos Estados Unidos foi informado sobre a denúncia antes que a Casa Branca retesse mais de US$ 391 milhões em ajuda ao país europeu, de acordo com a agência de notícias Dow Jones.

Dois dias após a ligação, a verba foi liberada. Acredita-se que Pat Cipollone, advogado da Casa Branca, e John Eisenberg, advogado do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, tenham informado Trump sobre a queixa ainda em agosto.

A polêmica continua repercutindo por conta das tensões eleitorais entre republicanos e democratas. Trump considera que o inquérito é uma farsa e pode ter sido motivado pelo desejo dos democratas de reverter o resultado das eleições de 2016, na qual ele venceu a candidata Hillary Clinton.

Após o intervalo do Dia de Ação de Graças, uma tradicional data comemorativa norte-americana, há grande probabilidade de que os democratas que investigam o caso de impeachment avancem no processo.

Senado tem maioria republicana, o que é visto como um entrave para o afastamento de Trump. [Infográfico: Laura Alegre]

Influência da internet

Nas últimas eleições, a internet teve grande influência na decisão de voto de muitos eleitores, sobretudo em países como os Estados Unidos, a Inglaterra e o Brasil. As discussões acerca dos candidatos se acirraram nas redes sociais e com isso foi possível mapear a polarização de crenças entre diferentes níveis da população. No ponto de vista do professor da FGV e especialista em tecnologia, Arthur Igreja, “a internet possibilitou customizar uma mensagem. É o melhor do marketing digital usado para os efeitos mais obscuros da influência”.

Em períodos eleitorais anteriores, a disseminação de campanhas era feita principalmente na televisão. Porém, o panorama mudou: a internet adquiriu grande força neste segmento também. Para Arthur, esse movimento é natural, já que os partidos estão com menos verbas do que tinham no passado. “Isso é decorrente da perda de credibilidade dos veículos tradicionais de comunicação”, acrescenta. A internet se tornou um caminho direto, onde candidatos podem ter mais amplitude a um custo menor.

As mudanças começaram a ocorrer a partir de 2008, durante as eleições presidenciais dos Estados Unidos. Aproveitando-se do boom das redes sociais, o então candidato, Barack Obama, enxergou na internet um meio barato e eficaz de realizar sua campanha. “O Obama é considerado o pioneiro no bom uso das redes sociais em prol da política. Apesar de ter um alicerce muito bom de assessores e estrategistas, ele enxergou o caminho e se aproximou de seu público”, explica Diego Cavalcante Pudo, jornalista e coordenador de campanhas eleitorais. 

A nova técnica trouxe bons resultados. Obama usou o que tinha em mãos e através da internet arrecadou os fundos necessários para alavancar sua campanha. “Enquanto muitos ficavam no tradicional palanque, onde o candidato se coloca acima da população e se torna intocável, Barack Obama se mostrava humano e acessível”, completa Pudo. 

Com o passar dos anos, muitos tentaram o mesmo feito, mas não ganharam força nem participação em massa da população. A internet só voltou a ter forte influência na política americana durante as eleições de 2016, quando Donald Trump chegou ao poder. “Ele soube enxergar o Twitter como uma blindagem. É uma rede social em que você expõe sua opinião de forma livre, sem muitas chances de ser confrontado face to face. Ele percebeu que podia disseminar mensagens com muita potência e sem possibilidade de ter alguém que consiga rebater com a mesma força.”

Arthur ressalta ainda que, apesar de mais instantânea, a internet pode ser o local onde as pessoas são mais bombardeadas por mentiras. “O Twitter, devido à brevidade da mensagem, dá margem para muitas interpretações, além de uma frequência de contato, e Trump foi mestre nisso para angariar seu público”, afirma.

Até o dia 28 de novembro de 2019, Trump tinha 67,1 milhões de seguidores. [Foto: Reprodução/Capa do Twitter do presidente]

Segundo ele, o presidente foi muito hábil na construção de capital político usando como suporte a rede social. No caso da Ucrânia, não houve nada diferente. Foi capaz de manobrar a opinião pública de um jeito extremamente inteligente “questionando jornalistas e expondo apenas meias verdades, ou dados que fossem relevantes para ele”, reflete Arthur. Ao criticar a diplomata Marie Yovanovitch no Twitter, Trump se comportou como “o de sempre”, em sua concepção, agindo com uma postura de “alguém que faz bullying, que ameaça e que confronta”.

A diplomata é uma das principais testemunhas no inquérito de processo de impeachment do presidente. Até maio ela servia como embaixadora da Ucrânia, porém no último dia 15 começou a testemunhar para o Comitê de Inteligência da Câmara dos Representantes sobre a postura de Trump para a investigação do pré-candidato Joe Biden. Isso gerou insultos do presidente no Twitter, comentando que “todos os lugares onde Marie Yovanovitch foi ficaram mal”. Com isso ele a removeu de seu posto, favorecendo as investigações contra seu potencial adversário nas eleições do próximo ano.

As consequências da exposição exacerbada de figuras políticas nas redes podem ser perigosas. Assim como os Estados Unidos, o Brasil vive um momento semelhante com a interação do presidente Jair Bolsonaro. O que tem acontecido, para Arthur, são conflitos criados muito rapidamente, que fogem do controle e que interferem na política de outros países, como quando são feitas provocações com Macron e Merkel, por exemplo. Além disso, está gerando descredibilidade para a política de forma geral. “Temos como exemplo o escândalo da Cambridge Analytica”, recorda. 

A ex-empresa de publicidade que analisava dados de eleitores e consumidores para elaborar uma comunicação mais estratégica foi responsável pela campanha de Donald Trump nas eleições de 2016. Cambridge Analytica utilizou informações privadas, sem consentimento, de 87 milhões de usuários do Facebook. Dois meses depois das primeiras acusações quanto a isso, a empresa declarou falência.

O maior efeito dessa conjuntura é a potencialização de conflitos. Para Arthur, a forma mais adequada de fazer uso de um meio de comunicação tão influente como a internet seria “atender as demandas populares, debater projetos, acompanhar planos de governo, ter um diálogo com o público e expor ações”. Utilizar-se da transparência, visto que presidentes são também servidores públicos, é a chave para uma comunicação efetiva. “Não há nada mais justo do que utilizar os meios de comunicação para reportar o que está sendo feito e o que é decidido, afinal, eles estão trabalhando para o povo”. 

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