Distinção de medidas de combate ao coronavírus afeta relações internas e externas do Mercosul, aponta especialista

A adoção do lockdown, comércios fechados e negociações dificultadas alteraram as relações entre os países do bloco

Foto: Roque de Sá/ Agência Senado

Desde que a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a pandemia do novo coronavírus no dia 11 de março, os quatros membros plenos do Mercosul têm tomado diferentes medidas para a contenção da doença, que volta a crescer pelo mundo. Enquanto o Uruguai se mostrou exemplo mundial, tendo um total de 80 mortes durante os últimos meses, o Brasil passa da marca de 174 mil. A Argentina por sua vez passa por protestos e complicações políticas, além do aumento no número de casos e o Paraguai que também foi chamado de “caso de sucesso” enfrenta uma subida nos números de infectados.

Pedro Feliú, professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP e pesquisador na área de análise de política externa, estudos legislativos e política internacional, aponta que a maior diferença entre os países foi que enquanto as três nações fronteiriças determinaram medidas de precaução mais severas, “o governo federal brasileiro fez o contrário, e coube aos governos estaduais assumirem a responsabilidade.”

Ernesto Araújo e Frederica Mogherini, alta representante da UE, fechando o acordo de livre-comércio, em junho de 2019 - Foto: União Europeia/ Twitter
Ernesto Araújo e Frederica Mogherini, alta representante da UE, fechando o acordo de livre-comércio, em junho de 2019 – Foto: União Europeia/ Twitter

Essa distinção de medidas causou um atrito nas relações externas. O acordo de livre-comércio do Mercosul com a União Europeia (UE), por exemplo, ainda não entrou em vigor. Na situação em que encontra-se a região da Amazônia e do Cerrado, cientistas europeus apontam que suas diretrizes ambientais são incompatíveis com as do bloco sulamericano. Enquanto ambos os biomas queimam, a UE, no final do ano passado, deu início ao Acordo Verde, prevendo zerar emissões líquidas de carbono até 2050. Esses fatores podem levar a UE a considerar uma desistência.

Quanto às relações internas no Mercosul, Feliú aponta que, entre os quatro países, “o Paraguai talvez é o que tenha a situação mais vulnerável, devido à dependência econômica muito grande com o Brasil”. Essa dependência se deve, ele explica, visto que os países fazem fronteira terrestre e fluvial.

Já com a Argentina, o Brasil parece estar cada vez mais distante. O presidente Alberto Fernandez e Bolsonaro nunca se falaram, apesar dos países vizinhos historicamente terem tido relações muito próximas. Os argentinos, que passaram pelo que foi chamado de “maior quarentena do mundo”, com regras rígidas de isolamento por 6 meses, agora veem um aumento no número de casos, junto com a flexibilização das normas.

Saída do Mercosul?

Após o Brasil ter tido conflitos com a Argentina no final do ano passado, cogitou-se a saída do bloco para levar adiante o plano do Ministro Paulo Guedes para abertura da economia e aumento da produtividade. A partir disso, muito especulou-se sobre os benefícios para o Brasil nessa saída da organização, bem como foi produzido um relatório de Impactos jurídicos da saída do Brasil do Mercosul, pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em 2020.

Segundo o trabalho, entre 2015 e 2019, 8% das exportações brasileiras destinaram-se ao Mercosul, ficando atrás da China (24%), da UE (17%) e dos Estados Unidos (13%). Se analisados apenas os manufaturados, as exportações para o Mercosul sobem para 21%, o que é mais do que o exportado para China (2%) e UE (17%).

Exportações no Porto de Paranaguá, em maio desse ano – Foto: Claudio Neves/ Fotos Públicas

Além disso, a CNI lista uma extensa rede de elementos jurídicos que incluem também negociações dos quatro países membros com terceiros e geram integração e preferências tarifárias. Ou seja, o Brasil não perderia apenas acordos com os outros membros, mas com outros países.

Um país de risco

Ao todo, espera-se que a participação do Brasil no bloco seja mantida. Apesar de também haver uma grande dependência da Argentina, Uruguai e Paraguai com o Brasil, o contrário também procede.

O fator complicante atual entre os membros se deve ao vírus e ao alto número de casos nacionais. “O Brasil pode destruir tudo que os outros países construíram” afirma Feliú. Nenhum dos três possui estrutura para lidar com um alto número de casos e, por mais que “eles dependam do país, as consequências são muito graves.”

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