Antártida: um continente de paz e ciência

Foto: 66 North/ Unsplash

A Antártida, apenas nove meses depois do início oficial da pandemia, teve o primeiro surto de Covid-19 detectado. O continente era o único sem casos e, enquanto mantinham essa conquista, muitas expedições tiveram que ser canceladas ou modificadas. Ignacio Cardone, doutor em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP) e o King’s College London (KCL), e autor da tese “Um continente para a paz e a ciência: ciência antártica e relações internacionais entre o sexto Congresso Geográfico Internacional e o Tratado Antártico (1895-1959)” traz alguns aspectos para entender melhor a situação do continente e relata sobre sua experiência em visita ao local.

Após 200 anos do seu avistamento, em 1820, a Antártida passou por muitas fases de exploração. Inicialmente, houve a expansão da indústria foqueira, que acarretaria na quase extinção das focas peleiras e o fim do interesse exploratório. Apenas no final do século XIX, a exploração do continente recomeçou, impulsionada por cientistas. “Uma vez que a indústria baleeira se expandiu para os mares do sul, o interesse econômico levou ao interesse político e, com isso, ao conflito territorial”, conta Cardone.

Pinguins gentoo na Ilha Danco, na Península Antártica – Foto: Derek Oyen/ Unsplash

Em meio a conflitos de interesses políticos e econômicos, a ciência ocupava o papel central de agente diplomático. No chamado Ano Geofísico Internacional (AGI, 1957-58) e o Tratado Antártico (1959), a cooperação entre países pesquisadores é institucionalizada e ampliada. Apesar dos interesses, “a ciência materializou a sua capacidade de agente diplomático internacional”, menciona Cardone. Ele completa que na época, a União Soviética também foi incorporada ao acordo, mesmo em meio à Guerra Fria, visto que o comitê da AGI era composto principalmente por cientistas.  

Atualmente, a região Antártica passa por muitas modificações. Austrália, Alemanha e Nova Zelândia anunciaram a redução no número de cientistas enviados para as bases no continente. Outros países devem seguir o mesmo plano para evitar ao máximo que o vírus chegue até lá. 

Cardone explica que devido às condições de confinamento, o difícil acesso às bases de pesquisa, a dependência em fatores climáticos e as dificuldades para conseguir ajuda médica fazem com que seja primordial manter a Covid longe da região. Entretanto, o que mais preocupa os cientistas são pesquisas relacionadas às mudanças climáticas e a urgência desses estudos para o bem do planeta. “O continente antártico é um parâmetro climático global muito importante e o seguimento da questão lá resulta essencial para entender o fenômeno”, atenta o pesquisador.

Estação Comandante Ferraz, nova base brasileira inaugurada, com montanhas de gelo ao sol e o sol sol se pondo
Estação Comandante Ferraz, nova base brasileira inaugurada em janeiro desse ano – Foto: Reprodução/ Marinha do Brasil

Cardone conta que sua pesquisa iniciou com uma questão: como foi possível que o continente fosse reservado para a paz e a ciência. Apesar de encontrar muitas respostas simplificadas, ao fim de sua pesquisa conseguiu compreender melhor o papel da ciência como diplomata (science diplomacy). “A ciência tem e sempre teve um papel colonialista e assimétrico, mas certamente também possui um potencial de entendimento que transpassa fronteiras ideológicas e identitárias e, no caso antártico, tem levado a um potencial pacificador e de colaboração sem precedentes”, afirma. 

O Brasil mais recentemente inaugurou uma nova base na Antártica, em janeiro deste ano. Porém, com a Covid, foi decidido suspender o envio de cientistas para lá. “A balança tem que contrapesar a necessidade de manter a pesquisa — que em alguns casos pode ser mantida sem o envio de cientistas no local — com os riscos à segurança”, comenta Cardone. Além disso, ele afirma que “a relação do Brasil com os outros países Antárticos é excelente. ” 

Cardone em sua viagem à Antártida – Imagem: Arquivo Pessoal

Sobre sua visita ao continente, com a XXXVIII Operantar brasileira e a equipe do documentário sobre os 60 anos do Tratado Antártico junto com a ONG Our Spaces, Carone relembra: “é uma experiência única e inigualável. A majestosidade desse ambiente faz a gente se colocar no lugar de relativa insignificância que corresponde a cada um de nós como indivíduos, e a humanidade como espécie.”

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