COM QUE ROUPA?

[por Sofia Calabria]

A Festa do Livro está sempre cheia de diversos perfis de leitores. Tem aqueles mais metódicos, com dia, horário, títulos e orçamento bem planejadinhos para chegar lá, ir até os estandes que lhes interessam, comprar os livros, fugir do tumulto e zarpar. Tem os mais flexíveis, que até têm anotado os títulos que querem, mas chegam, vão até a primeira editora, no caminho olham este livro, folheiam aquele outro, compram um aqui e um ali fora do planejado, mas em geral seguem a lista inicial. Tem os meio a meio, que vão com uma listinha mental, mas certos de que, uma vez lá, vão explorar outros títulos e já estão preparados com mochilas vazias para carregar o tanto de livros que vão comprar. Tem também aqueles aventureiros, que chegam na Festa com pouco ou quase nada definido, prontos a se jogarem na multidão de livros e pessoas e a explorarem o local. Passam horas lá sem se dar conta.

E todos eles são superválidos, afinal, o legal é participar da Festa do jeito mais confortável para você!

Um exemplo é a editora web Juliana Ramos, 35, que aproveita algumas horas antes de entrar no trabalho pra ir à Festa. Às vezes chega até antes de abrir. Ela se planeja, compra tudo o que precisa, e vai trabalhar, porque o tempo é curto. Mas neste ano dois fatores vão mudar a experiência dela com a Festa: ela estará de férias, o que vai permitir que ela chegue em casa e, segundo ela, “curta as compras”. Há quatro meses Juliana também se tornou mãe, então seu interesse pela leitura passou também a ser voltado para o Martim. Agora os livros infantis também entram na lista. “Eu leio pro Martim desde que ele tinha 2 meses. Leio um livro todo dia. Ele fica quietinho olhando as figuras coloridas. O favorito dele agora é o Passarinhos do Brasil (de Lalau e Laura Beatriz, Peirópolis), um livrinho que tem ilustrações dos pássaros com poeminhas. Penso sempre em livros que mostrem coisas que eu gostaria que ele conhecesse ”, conta.

Frequentadora da Festa desde 2015, no gosto pessoal ela se interessa mais por ficção e graphic novels. Apesar de ir com a lista pronta, ela também deixa surpresas aparecerem, como o título Virus Tropical, da escritora equatoriana PowerPaola (Nemo). “Pensei no quanto o Equador é um país tão próximo, mas sobre o qual eu não sabia nada. Comprei e acabei adorando. É autobiográfico e o trabalho dela é muito incrível”.

O cineasta Edwin Perez, 53, vai ao evento desde que acontecia nos prédios da História e Geografia, na FFLCH. Ele se prepara pra ir com a mochila vazia e, ainda que com uma lista de títulos a comprar, vai também sentindo o peso dela nas costas, para saber quando é hora de voltar pra casa. Na maioria das vezes ele vai acompanhado do filho, Jerônimo, que este ano ingressou em História, na USP. “Nossa relação vai muito pelas HQs, que são muito mais que quadrinhos de heróis. Ao mostrar isso a ele, tento ampliar o repertório de uma arte ainda majoritariamente conhecida pelos comics americanos”. Dois títulos que o marcaram foram Moby Dick e Um Pedaço de Madeira e Aço, ambos graphic novels do autor francês Christophe Chabouté (Pipoca & Nanquim). Pensando nas suas aulas sobre cinema, um dos livros que ele pretende comprar este ano é Mulheres Atrás das Câmeras: As Cineastas Brasileiras de 1930 a 2018, organizado por Luiza Lusvarghi e Camila Vieira da Silva (Estação Liberdade).

Para quem estuda Letras, então, a Festa é um prato cheio. É o caso do estudante Guilherme Rabello, 24, aluno da USP e que aproveita o evento para comprar tanto os livros úteis para a graduação, quanto literaturas de seu interesse pessoal, como livros sobre cinema e quadrinhos. “Eu costumo ir com um teto pra gastar. Anoto os livros numa lista e vou decidindo na hora o que pego ou não. Aí sempre aparece algum livro preterido ou esquecido, além dos desconhecidos, e que pode estar com um preço bem agradável. Aí vai pra sacola também”. Pra este ano ele já selecionou alguns: D. Quixote, de Miguel de Cervantes (Editora 34), Bone, de Jeff Smith, (Todavia) e Escrever Ficção, de Assis Brasil, (Companhia das Letras).

“Eu prefiro ir à Festa do Livro meio que na surpresa. Gosto de ver o que eu vou encontrar pelo caminho. Nas duas últimas edições, a maioria dos que eu comprei não foram planejados. Acho que a Festa é um lugar muito interessante para você encontrar coisas que não estava esperando comprar, ou coisas diferentes que você não compraria pelo preço integral”, conta a jornalista Victória Pimentel, 24. Ela cita livros infantis e os de arte como alguns dos seus interesses pessoais e que ela aproveita a Festa para comprar por um preço mais acessível. Em suas andanças, ela se deparou na edição passado com A Vista de Castle Rock (Biblioteca Azul), da ganhadora do Prêmio Nobel Alice Munro, que conta a origem de sua família escocesa. Atraída pela capa e pelo título, foi uma das grandes descobertas de Victoria no evento. Neste ano ela quer descobrir o clássico Mulherzinhas, de Louisa May Alcott (Zahar).

E você, o que vai descobrir?

DE ONDE VEM O PREÇO DE CAPA?

 

[por Sofia Calabria]

Quando você pega um livro na estante de uma livraria, você olha a capa, folheia, vê se realmente te interessa e então avalia… o preço. Muitas vezes é ele que define se vamos ou não levar o livro. Quando não se para muito para pensar na cadeira de produção, pode-se achar que os maiores custos residem na impressão ou no peso do autor. E então, acontecem comparações: mas esse livro é menor, tem menos páginas… por que ele custa menos ou igual a este outro, que é maior, tem mais páginas, mais imagens etc.?

O preço de capa é determinado por muitos fatores. Conversamos com o jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura, Felipe Lindoso, e com a gerente de comunicação da Ivo Camargo – Soluções Comerciais no Mercado Editorial, Talita Camargo, para explicar melhor sobre esse assunto e sobre outros pontos que influenciam no mercado editorial.

A parte editorial

A formulação do preço de capa leva em conta os custos das etapas de produção do livro antes da impressão, como direitos autorais, projeto gráfico e de capa, adiantamento ao autor, revisões, traduções e ilustrações, se necessárias. Alguns dos fatores, como o peso nome do autor, o número de laudas do manuscrito e o idioma original, influenciam no custo das etapas a eles relacionados.

O custo físico do livro

São levados em consideração os gastos que se tem para que o livro exista como objeto. A impressão aqui é o principal. “Lembremos que, do ponto de vista físico, cada livro é um bloco de papel impresso com uma capa. Assim, quanto mais páginas tiver o livro, maior será o custo de papel, de impressão e também vários custos de logística”, diz Lindoso. Ele aponta também fatores como a qualidade do papel, da impressão e do formato. Um exemplar com um formato diferente do usual, por exemplo, significa perda de papel e, portanto, maior custo.

Aqueles gastos empresariais e de logística

As despesas fixas da editora, como aluguel, contas mensais, remuneração da equipe e de terceiros, equipamentos etc., também entram no cálculo do preço de cada novo título. Gastos variáveis como impostos e taxas, também são considerados. Na parte logística estão despesas como estoque, atendimento ao cliente, frete, embalagem etc. Também entra aí a decisão sobre a tiragem. De acordo com Lindoso, é uma decisão crucial.  “Errar na definição da tiragem, para mais ou para menos, pode resultar em consideráveis prejuízos. Tudo isso está muito condicionado ao tipo de mercado ao qual se destina o público, o que está definido também pelo segmento em que a editora atua. Cada segmento tem características específicas e altamente especializadas”, comenta.

Comercialização

Os livros são fornecidos com desconto para livrarias, redes, comércio online e participação em feiras e eventos. De acordo com Talita Camargo, a média do mercado é de 50% do valor. Atualmente, grandes redes recebem mais descontos que pequenos livreiros. Esse desconto é levado em consideração no preço final para se chegar ao preço de capa. “É importante computar o valor de custo do produto para conseguir chegar a um preço que pague as contas e sobre margem de lucro para a editora, já contando com o desconto médio de livreiro/distribuidor”, comenta Camargo.

Ainda está em tramitação o Projeto de Lei 49/2015, a Lei do Preço Fixo, que estabeleceria regras para a comercialização e a distribuição de livros no Brasil. Ela restringiria, por exemplo, o percentual de desconto dados pelas grandes redes e livreiros a um valor igual para todos, tornando, até onde se pode avaliar, o mercado editorial mais justo. “Acredito que a Lei do Preço Fixo, neste momento de mercado em que vivemos, ajudaria a dar um fôlego mais coletivo, de maneira mais saudável e justa para todos. Os marketplaces brigam por preços inatingíveis para a maioria, simplesmente para não ficarem de fora desta disputa, que chega a ser desleal. A Lei do Preço Fixo forçaria a lembrança de que existe uma cadeia produtiva por trás do livro, e que o preço de capa não é escolhido aleatoriamente visando apenas lucro: é preciso sustentar essa cadeia, que deveria ser de cada vez mais qualidade e justamente remunerada”, opina Camargo.

Lindoso também coloca outros dois fatores que influenciam o mercado do livro: a percepção do público de que o livro é caro, derivada dos baixos salários brasileiros, e também o baixo investimento público, seja nos sistemas de bibliotecas públicas ou na descontinuidade de políticas públicas. “Enquanto na Europa Ocidental e nos EUA os investimentos em bibliotecas são significativos (embora tenham diminuídos nos últimos anos), são incomparavelmente maiores que os do Brasil, onde as bibliotecas públicas vivem à míngua”, diz. Dado o avanço tecnológico, hoje existem muitas outras fontes de conhecimento disponíveis para o público, que acabam por competir com o livro, exigindo assim uma nova postura do mercado. “O desenvolvimento tecnológico efetivamente quebrou parâmetros. As editoras precisam se reinventar, assim como as livrarias, para se tornarem mais ágeis e responder melhor às demandas do público leitor”, completa. Já para as livrarias físicas, o desafio “é manter o fascínio do contato físico com os livros de seu estoque, coisa deliciosa”, diante da vasta disponibilidade virtual.

COMO O LIVRO CHEGA ATÉ VOCÊ?

[por Sofia Calabria]

Uma capa e um título te chamam a atenção. Você pega o livro nas mãos, folheia, curte a diagramação, os primeiros parágrafos já te prendem e a leitura é agradável aos olhos. Você o compra e ele vai parar na sua estante. Mas já pensou em quais as etapas pelas quais ele passa pra atrair o seu olhar e terminar na sua coleção particular?

Desde a criação do texto que ele apresenta até chegar a você são vários passos. Contamos um pouco sobre eles aqui.

 O texto chega para a editora

O primeiro contato com o material pode acontecer de diversas formas. Os autores podem enviar o material diretamente para uma editora em cujo perfil ele acredita que seu texto se encaixa. É algo acadêmico, ficcional, infantil? Isso tudo conta. Acontece também o processo inverso, quando a equipe editorial sugere um autor e entram em contato com ele. Há também o contato entre editoras. “Editoras e agentes literários estrangeiros nos enviam livros já publicados por eles, propondo a publicação no Brasil. O inverso também ocorre, quando buscamos um tema em especial e prospectamos os catálogos das editoras”, diz a editora executiva da Melhoramentos, Leila Bortolazzi.

 

Escolha do material

Depois que o texto chega, a equipe da editora avalia os materiais. Encaixa-se no perfil editorial? Tem qualidade literária? Interessa ao público da editora? A editora pode também enviar o texto a um(a) especialista contratado(a), para análise de todos esses fatores e, se tudo for favorável, segue para a publicação. O número de originais que ela recebe por mês também varia conforme o perfil da editora.

Edição e revisão

Mesmo depois de escolhido, podem ser necessários ajustes no texto. Um texto ficcional, por exemplo, pode requerer até mesmo ajustes na narrativa, neste ou naquele personagem ou capítulo, sempre se pensando em deixar o texto mais interessante e atrativo para o público alvo. Nessa etapa também se leva em conta se o material possui imagens/fotografias, se será necessário um ilustrador e também é analisado o formato do livro conforme o número de laudas do manuscrito.

Diagramação e capa

É inevitável: neste caso, literalmente julgamos o livro pela capa. Por isso ela é tão importante quando se pensa em passar uma mensagem para o público. Cor, imagem, tamanho do título e do nome do autor, logo da editora. Todos esses elementos juntos são pensados pelo pelo designer e aprovados pela editora. “A capa precisa expressar o conteúdo da obra e ao mesmo tempo ter apelo estético e impacto comercial”, diz a diretora da Editora Unifesp, Cynthia Sarti. Afinal, é preciso chamar a atenção do leitor para uma possível compra.

Para Bortolazzi, da Melhoramentos, a arte da capa também precisa transmitir o gênero da obra, como suspense, romance ou biografia, bem como comunicar a que público se destina: crianças, jovens, adultos.

Somado a isso vem a diagramação: como o texto é disposto na página, o formato dela e a tipografia utilizada, tudo para deixar a leitura mais agradável.

Impressão

Após todas as decisões estéticas e estilísticas, o livro segue para a impressão. Nesse momento é determinada também a tiragem do livro. Para isso são levados em consideração fatores como o peso do nome autor, custos fixos, série em que se encaixa e público a que se destina. A Editora Unifesp, por exemplo, tem tiragem fixa de mil exemplares por obra, já a Melhoramentos tem tiragem média de cinco mil exemplares.

 Distribuição e divulgação

Depois de impresso, o livro precisa chegar ao consumidor final. Parte das tiragens fica com a editora, em estoque, e outra parte é distribuída ao autor, a grandes redes e pequenas e médias livrarias. “A distribuição é feita no primeiro momento para o(s) autor(es), conselho, direção da editora e reitores. Em seguida, damos início à distribuição comercial, enviando informações e metadados para o parceiro comercial que se relaciona com livrarias e distribuidores”, diz Sarti, da Unifesp. Fatores como o perfil da editora e o público a que se destina também determina os locais para os quais o livro será distribuído. A Melhoramentos, por exemplo, também divulga os exemplares em escolas do estado de São Paulo, de acordo com Bertolazzi.

Agora que você já sabe um pouco mais, vai visitar a Festa com outros olhos. Será que você vai sair analisando capas e formatos por aí?