Ar livre de máscaras

Texto publicado na Gazeta do Povo em 11/06/2021

Passados aproximadamente um ano e 3 meses desde o início da pandemia em território brasileiro, é possível tirar algumas conclusões sobre a terrível tragédia que acometeu e ainda castiga o país. No idos de março de 2020, a OMS e autoridades norte-americanas, como o Dr. Anthony Fauci, conselheiro-chefe do presidente dos EUA em assuntos médicos, foram categóricos em afirmar que máscaras faciais não seriam instrumentos adequados para a contenção da pandemia. Essas afirmações foram baseadas em anos de estudos sobre a ineficiência de máscaras como mitigadoras da transmissão de vírus e bactérias respiratórias, como o vírus Influenza, causador da gripe. De fato, a maioria dos estudos controlados e randomizados que haviam sido publicados até aquele momento relataram pouca ou nenhuma eficácia do uso de máscaras para a contenção comunitária de transmissão viral. De forma surpreendente, tanto o Dr. Fauci, como a OMS, mudaram radicalmente de opinião algumas semanas depois. Será que a ciência sobre a eficacia das máscaras mudou tanto durante essas poucas semanas? É claro que não!

Mesmo assim, na cola desta reviravolta, o uso de máscaras passou a ser não somente recomendado, como imposto na maioria dos países, inclusive em quase todos os estados do Brasil. O uso de máscaras foi pregado como uma obrigação moral dos cidadãos e em muitos lugares, a sua não observância, foi e ainda é passível de multa.

Em diversos países, máscaras passaram a ser obrigatórias em ambientes fechados e aglomerados, como o transporte público, lojas etc. Já em outros lugares, inclusive em vários estados brasileiros, a utilização de máscaras tornou-se obrigatória em qualquer espaço público, seja ele aberto ou fechado. De fato, assistimos diversos episódios nos quais pessoas foram expulsas de praias e parques sem aglomeração, por vezes até mesmo portando máscaras. Isso não faz o menor sentido! Até mesmo a OMS recomenda máscaras em espaços abertos, somente quando não é possível manter o distanciamento mínimo de 1 metro entre pessoas.

Vírus respiratórios são normalmente transmitidos por meio de gotículas expelidas por pessoas infectadas durante a tosse, espirro ou fala. A grosso modo, essas gotículas podem ser classificadas em grandes (maiores que 5 micrômetros de diâmetro) ou pequenas (menores que 5 micrômetros). As primeiras são mais pesadas que o ar e após poucos segundos caem ao chão. Já as gotículas pequenas podem flutuar no ar por muito tempo. A transmissão viral por meio de gotículas grandes ocorre quando o infectado, estando muito próximo de uma pessoa suscetível, emite gotas na direção do rosto deste último. Em lugares fechados e sem ventilação, as gotículas pequenas pairam no ar e se acumulam. O acúmulo desses aerossóis aumenta a concentração de vírus no ar e a chance de uma pessoa suscetível inalar uma dose infecciosa do vírus. Não se sabe ao certo quantas unidades virais são necessárias para formar uma dose infecciosa, estima-se que para que um indivíduo se contamine com o vírus da COVID-19, este deve inalar ao menos 500 a 50.000 partículas virais.

Por outro lado, em ambientes abertos, os aerossóis diluem-se no ar, diminuindo imediatamente a concentração de partículas virais para valores desprezíveis. Microbiologistas sabem, desde há muito tempo, que para interromper a infecção viral em tubos de ensaio, basta diluir o meio em que os vírus e as células sensíveis ao vírus se encontram. No meio diluído, o vírus terá muito mais dificuldade em encontrar uma célula que possa ser infectada. Ou seja, não há praticamente possibilidade de transmissão viral via aerossóis em espaços abertos, a não ser que haja uma grande proximidade física entre o infectado e o receptor suscetível.

E o que acontece com as gotículas grandes em ambientes abertos? Neste caso, havendo proximidade entre o indivíduo infectado e o indivíduo suscetível, pode ocorrer a transmissão viral. Mas qual a probabilidade de um transeunte infectado transmitir vírus a um terceiro na rua ou em outro ambiente ao ar livre? Para isso foram realizados em nosso laboratório experimentos transmissão viral com bacteriófagos (vírus que infectam bactérias) em ambientes abertos. Por razões obvias, não é possível experimentar com vírus humanos ao ar livre. Bacteriófagos são específicos para bactérias, normalmente de apenas uma única espécie e não possuem afinidade por células humanas. Os resultados destes testes mostraram que a probabilidade de transmissão de apenas uma partícula viral (que já vimos ser insuficiente para causar infecção) para uma distância de 1 m é de no máximo 1:100.000. Já para uma dose infecciosa mínima de 500 partículas virais, a probabilidade seria 500 vezes menor. Isso explica porque não ocorreu uma explosão de casos de COVID-19 durante as grandes manifestações ocorridas em 2020 aqui no Brasil, nos EUA ou na Europa.

Em suma, como se não bastasse a imposição de máscaras faciais em ambientes fechados, cuja eficácia é, no mínimo, controversa, governos ainda ampliaram essa obrigatoriedade para espaços abertos, onde a utilidade de máscaras é praticamente nula. Apesar da obediência da população, as máscaras não impediram as duas trágicas ondas de COVID-19 que assolaram a ainda assolam o país e causaram a morte de quase meio milhão de brasileiros.

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