A falácia do atraso da vacinação contra COVID-19 no Brasil
Artigo publicado na Gazeta do Povo em 22/10/2022
O governo e particularmente, o presidente da república, foram e ainda são frequentemente acusados de genocídio. O principal argumento para tal grave acusação é a suposta recusa do governo em importar vacinas da Pfizer. Devido ao atraso proposital na aplicação de vacinas, muitos brasileiros, que poderiam estar imunizados contra o coronavírus, vieram a morrer, assim argumentam os detratores do governo.
Mas será que foi assim mesmo? O Brasil poderia ter vacinado mais agilmente e ter salvo mais vidas, não fosse a relutância do governo em adquirir vacinas?
Tudo tem o seu contexto. O contexto do Brasil é a América do Sul. Devemos, pois, observar como progrediu a vacinação nos países vizinhos em comparação ao Brasil. O gráfico neste link mostra o avanço da vacinação completa (2 doses no caso da maioria das vacinas) no continente sul-americano desde o começo de 2021 até o final de agosto de 2022. Os dados são de domínio público e foram obtidos do instituto Our world in data (https://github.com/owid/COVID-19-19-data/tree/master/public/data). É possível notar que o Brasil não é o país com a taxa de vacinação mais acelerada, mas tampouco foi o que vacinou de forma mais lenta.
Na fase crítica da pandemia (1o. semestre de 2021), somente Chile e Uruguai vacinaram de forma mais veloz, à frente dos demais países. O Uruguai é o menor país da lista, com uma população total de 3,5 milhões de habitantes, 62 vezes menor que a população brasileira! Obviamente, é muito mais simples, do ponto de vista logístico, vacinar uma população relativamente pequena, do que o gigante Brasil, com seus 215 milhões de habitantes, distribuídos em um território de proporções continentais. O mesmo pode-se afirmar em relação ao Chile, que embora seja maior que o Uruguai, ainda assim, a sua população de 19,5 milhões, é 11 vezes menor que a do Brasil. O segundo e terceiro países mais populosos do continente – Argentina e Colômbia (ambos com populações 4-5 vezes menores que a do Brasil), apresentaram taxas de vacinação muito semelhantes à nossa. Numericamente, ao final do 1o. semestre, que foi a fase mais crítica da pandemia (476 mil de um total de 686 mil mortes ocorreram nesses 6 meses), a proporção de vacinação completa no Brasil, Argentina e Colômbia era de 12,4%, 9,5% e 13,4%, respectivamente.
Uma pergunta pertinente é se os países que vacinaram mais rápido, tiveram desfechos melhores. A julgar pelo acumulado de óbitos/milhão de habitantes em 2022, o minúsculo Uruguai se saiu melhor que o Brasil com uma proporção de mortes/milhão 46% mais baixa que a registrada aqui. Já no Chile, a taxa de mortes por COVID-19 foi apenas 4% menor que a brasileira. Esses dados sugerem que, mesmo se o Brasil tivesse vacinado de forma mais célere, ainda assim, é presumível que o número de óbitos não fosse muito diferente. Além disso, se vacinação ligeira fosse garantia de sucesso, os EUA, que são fabricantes de vacinas, e iniciaram a vacinação contra a COVID-19 bem antes que qualquer país sulamericano, deveriam apresentar números bem melhores, mas não é isso que aconteceu – as taxas de óbitos/milhão do Brasil e dos EUA são muito similares. Nesta tabela, com dados também obtidos do instituto Our world in data, é possível visualizar a porcentagem de vacinados até o final do 1o. semestre de 2021, a fase mais crítica da pandemia e o acumulado de mortes/milhão ao final do 1o. semestre de 2022, já no final da pandemia.
Resumindo, o Brasil manteve uma taxa de vacinação similar à de seus vizinhos, mesmo sendo o maior país da América do Sul, tanto em população, como em extensão territorial, requerendo, portanto, uma logística mais complexa para vacinar a população. A acusação de que o governo ou o presidente procrastinaram ou até mesmo boicotaram o programa de vacinação contra a COVID-19 são frutos de desinformação e contradizem os dados reais. O que o presidente disse ou deixou de dizer é irrelevante, pois o que importa é o resultado. Os dados oficiais do Brasil e demais países da América do Sul mostram que a vacinação foi conduzida da forma que era possível naquele momento, ou será que Bolsonaro é também culpado pelo “fraco desempenho” dos países vizinhos?