O que diz a ciência sobre o uso de máscaras faciais para limitar a propagação de viroses respiratórias
Com o intuito de limitar a propagação de doenças respiratórias, máscaras faciais podem ser utilizadas por:
– pessoas sadias, evitando, assim, a contaminação por infectados
– pessoas infectadas, limitando a propagação dos vírus para terceiros
O uso de máscaras é intuitivamente lógico, pois fornece uma barreira, evitando o espalhamento de gotículas ou aerossol contendo partículas virais. De fato, estudos demonstraram que as várias camadas de máscaras cirúrgicas e respiradores são capazes de reter boa parte dos vírus expelidos por pessoas infectadas. Em condições ideais, que incluem a troca periódica de máscaras cirúrgicas e treinamento em técnicas de assepsia, as máscaras são parcialmente eficazes na contenção da transmissão de agentes infecciosos. Porém, no mundo real, onde pessoas normais, sem treinamento específico devem, além de adquirir um arsenal de máscaras cirúrgicas, lembrar de lavar bem as mãos antes de colocá-las no rosto, de não tocar a máscara com as mãos, não retirá-las para tomar um copo de café ou saborear uma refeição e depois colocá-las novamente (estas máscaras devem ser eliminadas e trocadas por máscaras novas), a eficiência das máscaras cai tremendamente.
A eficácia do uso de máscaras como instrumento de prevenção da propagação de doenças respiratórias entre pessoas normais (ao contrário de trabalhadores do setor de saúde, que recebem treinamento específico e têm ao seu dispor muitas máscaras para reposição) foi testada em diversos “ensaios clínicos”.
Experimentos desse tipo foram realizados nos últimos 15 anos, alguns mais bem conduzidos do que outros. Um estudo recente, publicado em 2020, compilou os resultados obtidos nos melhores ensaios clínicos randomizados sobre esse tema (MacIntyre and Chughtai 2020). Randomizado significa que as pessoas que participaram nesses estudos foram divididas em subgrupos, formados por mascarados e não-mascarados (grupo controle) de forma aleatória, mas balanceada em relação à condição geral de saúde, sexo etc. Este é o padrão-ouro dos ensaios clínicos.
Foram realizados 7 estudos nos quais pessoas sadias da comunidade usaram máscaras e 3 estudos nos quais os usuários de máscaras foram os infectados. Cada um desses estudos envolveu normalmente muitas dezenas ou até centenas de pessoas.
É preciso salientar que em todos os estudos realizados, a utilização de máscaras se deu no contexto de lugares fechados, sejam eles casas, residências estudantis ou hospitais. Em nenhum caso foi testada a utilização de máscaras em lugares públicos e abertos. Há um bom motivo para isso, como veremos mais adiante. Alguns destes estudos testaram a eficácia de máscaras somente, outros testaram a eficácia de máscaras + medidas de higiene, como lavagem de mãos frequentes.
Para que possamos concluir sobre a eficácia das máscaras na prevenção da propagação de vírus respiratórios, deve ocorrer um número significativamente menor de infecções secundárias (pessoas que contraem a virose de um membro da casa infectado) no grupo de pessoas mascaradas do que no grupo controle.
Vamos aos resultados. Na maioria dos estudos em que as máscaras foram utilizadas por pessoas sadias e infectadas com a intenção de proteger o indivíduo com máscara, não foi observado um efeito protetor estatisticamente significativo (5 estudos de um total de 7). Ou seja, não houve uma diferença clara entre o grupo mascarado e o grupo controle. Em 2 estudos foi observada uma diferença estatisticamente significativa, porém pequena. Em um deles (Cowling et al. 2009), havia 3 grupos, o grupo controle, o grupo de higiene das mãos e o grupo de higiene das mãos + máscaras. O grupo de higiene das mãos apresentou uma razão de chances de 0,46 em relação ao grupo controle. Isto significa que a chance de contrair a doença se estiver usando máscara é 0,46 vezes menor. Ou, se preferir, a chance do grupo que não usou máscara em contrair a doença é 1/0,46 = 2,17 vezes maior. Já o grupo de higiene das mãos + máscaras apresentou uma razão de chances de 0,33, ou seja, o uso da máscara diminuiu o risco em 0,13. Em outras palavras, a chance do grupo de higiene das mãos + máscara em ficar doente é 3 vezes menor que a do grupo controle, enquanto que a chance do grupo higiene das mãos (sem máscaras), é 2,17 vezes menor que o grupo controle. Fica claro aqui que o maior benefício é higienizar as mãos frequentemente e que o uso de máscaras teve uma contribuição secundária. Além disso, segundo esse estudo, as intervenções somente têm efeito se ocorrerem nas primeiras 36 horas do início dos sintomas da pessoa infectada na casa.
Dos 7 estudos mencionados acima, este é o que trouxe melhores resultados em relação ao uso de máscaras. Os demais tiveram resultados negativos, sem significância estatística ou outras limitações. Para verificar as referências citadas nesse artigo e um resumo dos resultados obtidos, clique aqui.
Uma alegação comum e até certo ponto correta é a de que máscaras faciais devem ser usadas por todos, com o intuito de prevenir que indivíduos infectados (sintomáticos, pré-sintomáticos ou assintomáticos) contaminem indivíduos suscetíveis. Foram realizados 3 estudos que testaram essa possibilidade. Em um estudo realizado na França (Canini et al. 2010), que envolveu 105 infectados, não foi registrada diferença nenhuma entre o grupo controle e o grupo no qual infectados vestiram máscaras. Em um outro estudo realizado na Arábia Saudita (Barasheed et al. 2014), durante a peregrinação islâmica anual, foi constatado que o grupo que vestiu máscaras infectou 31% das pessoas presentes na mesma tenda, ao passo que na tenda onde não foram utilizadas máscaras pelos infectados, esse número subiu para 53%. Porém, esses dados foram baseados em relatos dos participantes do estudo, que reportaram os seus sintomas. Quando estes foram testados para a presença de 5 tipos de vírus que potencialmente poderiam causar esses sintomas, a diferença entre os grupos desapareceu. Ou seja, os sintomas relatados pelos participantes do estudo poderiam haver sido causados por outros fatores, senão os vírus supostamente propagados pelos infectados (com ou sem máscaras).
Finalmente, em um estudo realizado na China (MacIntyre et al. 2016), foram testados 245 pacientes infectados, divididos em 2 grupos, com máscaras e sem máscaras. O número de residentes da mesma casa que contraiu a doença foi contabilizado por sintomatologia ou por exames laboratoriais. As taxas de infecção medida por sintomatologia apresentaram uma tendência de queda, porém não estatisticamente significativa quando comparados os grupos com máscara e sem máscara (controle). Porem, essa diferença desapareceu quando foram realizados testes laboratoriais. Neste caso, não houve diferença entre os grupos.
Deve-se aqui frisar dois aspectos importantíssimos:
1- Em todos os estudos mencionados, foram utilizadas máscaras cirúrgicas ou respiradores. Nenhum deles utilizou máscaras de pano. Há um único trabalho que testou a eficácia de máscaras de pano no ambiente hospitalar – (MacIntyre et al. 2015), e a conclusão é que essas máscaras NÃO devem ser utilizadas nesses ambientes. O grupo de trabalhadores de saúde que vestiu esses tipo de máscara teve um risco maior de contrair doenças respiratórias do que o grupo controle sem máscaras. ADENDO: Um novo trabalho (publicaddo em 21/07/2020 e ainda não revisado por pares) mostrou que máscaras de pano foram completamente ineficientes na contenção de partículas de SARS-CoV-2 (Loupa et al. 2020).
2- Nenhum estudo testou o uso o uso de máscaras em espaços abertos como forma de limitação da propagação de doenças respiratórias. O motivo para a carência deste tipo de estudo é que o uso de máscaras em espaços abertos é desnecessário e desafia as leis da microbiologia. Ao expelir vírus em um ambiente aberto na forma de aerossol ou gotículas pequenas, esses se diluem imediatamente, diminuindo o que o os virologistas chamam de carga viral (o número de vírus necessário para infectar uma pessoa sadia). Microbiologistas que trabalham com vírus sabem que uma das formas mais eficientes de interromper uma infecção viral é através da diluição dos vírus e células hospedeiras. Além disso, na presença de radiação solar, vírus de RNA como o SARS-Cov2 são inativados em questão de dezenas de minutos (Lytle and Sagripanti 2005). Em outras palavras, para que uma pessoa seja infectada por vírus expelidos por outrem em um ambiente aberto, deve haver uma grande proximidade entre elas. A não ser que o infectado espirre ou tussa diretamente no rosto do indivíduo suscetível, o risco de infectar-se ao ar livre é muito baixo.
Em suma, existem pouquíssimas evidências confiáveis de que o uso de máscaras, seja por pessoas sadias ou por pessoas infectadas traga algum benefício consistente na prevenção de doenças respiratórias. As autoridades deveriam, a meu ver, levar esses dados científicos em consideração antes de decretar a obrigatoriedade do uso de máscaras em espaços públicos. O uso de máscaras em lugares abertos, onde não há aglomeração (distancia mínima de 1 metro entre pessoas), como em ruas, parques e praias, desafia as leis básicas da microbiologia e não deveria ser obrigatório. Em locais confinados, como ônibus, metrô e mercados, o uso de máscaras pode ser recomendado.
Por fim, gostaria de tecer um paralelo entre vacinas e máscaras. A vacinação é, sem sombra de dúvida, a invenção médica que mais salvou vidas na história. A vacinação é tão eficiente e poderosa que erradicou da face da Terra uma doença terrível como a varíola. A vacinação também previne doenças super-contagiosas como o sarampo e foi capaz de diminuit para zero o número de crianças acometidas por poliomielite nos países do Ocidente.
Para que a vacinação funcione corretamente, é necessário que a grande maioria da população seja vacinada. No caso do sarampo, para que se atinja a “imunidade coletiva”, também conhecida como “imunidade de rebanho”, é necessário vacinas 93-95% da população.
Pois bem, apesar dos enormes benefícios da vacinação e da necessidade de vacinar a grande maioria dos nenês e crianças, não há punição alguma para os pais que se recusam a vacinar os filhos. O máximo que pode acontecer é que uma ou outra escola recuse a matrícula das crianças não vacinadas. Nada de multas, prisão ou outra medida coercitiva.
Como é, então, que máscaras faciais, cuja eficiência é, na melhor das hipóteses, apenas duvidosa, se tornaram obrigatórias sob pena de multa, ao passo que a vacinação, que funciona e protege efetivamente as nossas crianças (e adultos também), é apenas facultativa?
ATUALIZAÇÃO (19.11.20)
Um rct dinamarquês com 6.000 participantes (4.862 completaram o estudo) com cerca de 3.000 em cada braço teste e controle não encontrou efeito estatisticamente significativo do uso de máscaras pela população em geral na transmissão de Covid-19 (Bundgaard et al. 2020). Este é o maior estudo já publicado sobre o tema prevenção de máscaras de doenças respiratórias.
A tendência continua: quanto melhor o estudo, menor o efeito das máscaras!
Bibliografia
Page with Comments